Politica

Disputa por emendas revela uso político do Orçamento e enfraquece interesse público, avalia especialista

A crescente disputa por emendas parlamentares no Congresso Nacional tem se afastado de sua finalidade original e passado a atender, em grande medida, interesses próprios dos parlamentares, avalia um professor e pesquisador da área de ciência política e administração pública. Segundo ele, o modelo atual transforma o Orçamento em instrumento de poder individual e eleitoral, em vez de ferramenta de planejamento coletivo do Estado.

Na análise do especialista, o aumento contínuo do volume de emendas, aliado à ampliação de sua obrigatoriedade de execução, criou um ambiente de competição interna no Legislativo. Deputados e senadores passaram a enxergar as emendas não apenas como meio de atender demandas legítimas de suas bases, mas como ativos políticos fundamentais para fortalecer alianças locais, garantir visibilidade e ampliar chances de reeleição.

O professor aponta que essa lógica gera distorções profundas. Em vez de priorizar políticas públicas estruturantes, baseadas em diagnósticos técnicos e necessidades nacionais, o Orçamento se fragmenta em milhares de pequenas iniciativas pulverizadas. Obras, compras e convênios passam a obedecer a critérios políticos, e não necessariamente a planos de médio e longo prazo, o que compromete a eficiência do gasto público.

Outro ponto destacado é a mudança no equilíbrio entre os Poderes. Tradicionalmente, cabia ao Executivo formular e executar o Orçamento, enquanto o Congresso exercia papel fiscalizador. Com o fortalecimento das emendas, essa lógica se inverte parcialmente. O Legislativo passa a influenciar diretamente a execução orçamentária, mas sem assumir, na mesma proporção, a responsabilidade política pelos resultados e eventuais falhas.

O especialista também chama atenção para a competição desigual entre parlamentares. Aqueles com mais poder político, cargos estratégicos ou proximidade com a cúpula do Congresso tendem a concentrar volumes maiores de recursos, enquanto outros ficam em desvantagem. Isso cria hierarquias internas e incentiva barganhas que pouco têm a ver com o interesse público, reforçando uma dinâmica de troca de favores.

Do ponto de vista institucional, a disputa por emendas enfraquece a noção de política pública como ação de Estado. Programas nacionais acabam sendo adaptados ou desidratados para acomodar interesses pontuais, o que dificulta avaliações de impacto e compromete a continuidade das ações. Para o professor, esse modelo contribui para um Estado menos estratégico e mais reativo, guiado por pressões imediatas.

A transparência é outro ponto sensível. Embora avanços tenham sido feitos nos últimos anos, o especialista ressalta que ainda há dificuldades para acompanhar a destinação final e os resultados concretos das emendas. A falta de clareza sobre critérios de escolha, execução e fiscalização amplia a desconfiança da sociedade e alimenta a percepção de uso político dos recursos públicos.

Na avaliação do pesquisador, o debate sobre emendas precisa ir além da polarização entre “direito do parlamentar” e “centralização do Executivo”. O desafio, segundo ele, é construir um modelo que preserve a representação regional sem transformar o Orçamento em moeda de troca permanente. Isso exigiria regras mais claras, limites mais rígidos e maior integração das emendas a políticas públicas planejadas.

Enquanto isso não ocorre, a disputa interna no Congresso tende a se intensificar. Em um ambiente de restrição fiscal e aumento da pressão por resultados, cada emenda se torna ainda mais valiosa do ponto de vista político. Para o professor, esse cenário ajuda a explicar por que o Orçamento deixou de ser apenas um documento técnico e se transformou em um dos principais palcos da disputa de poder no país.

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