Tribunal de Contas da União adverte que equilíbrio fiscal exige mais do que foco exclusivo na meta de déficit primário
O debate sobre responsabilidade fiscal ganhou novo capítulo após uma manifestação contundente do Tribunal de Contas da União (TCU), que chamou a atenção do governo federal para a necessidade de uma abordagem mais ampla na condução da política fiscal. Em análise recente, o órgão de controle externo alertou que o foco exclusivo no cumprimento da meta de déficit primário não é suficiente para garantir a solidez das contas públicas, apontando riscos de distorções no planejamento orçamentário caso não haja uma visão integrada da sustentabilidade fiscal.
A manifestação do TCU veio na esteira das discussões sobre a elaboração do projeto de lei orçamentária para o próximo ano, no qual o governo tem reiterado o compromisso com déficit primário zero, conforme estabelecido pelo novo arcabouço fiscal. Embora a busca por esse resultado seja considerada positiva do ponto de vista do controle de gastos, o tribunal ressalta que a meta isolada de resultado primário não pode ser tratada como único indicador de responsabilidade fiscal, uma vez que outros componentes da dívida pública e da estrutura de despesas também influenciam diretamente na saúde financeira do Estado.
Entre os pontos destacados pelo TCU estão a necessidade de controlar despesas obrigatórias, de garantir qualidade nos investimentos públicos e de ampliar a transparência nas renúncias fiscais, que somam centenas de bilhões de reais por ano. Segundo os ministros da Corte, limitar a análise à diferença entre receitas e despesas correntes (o chamado primário) pode criar incentivos à postergação de investimentos estratégicos ou à compressão de gastos essenciais, o que comprometeria a eficiência da gestão pública.
Além disso, os auditores do tribunal alertaram para o risco de manobras contábeis que busquem atingir a meta formal sem enfrentar os reais desequilíbrios estruturais do orçamento federal. Isso inclui, por exemplo, a antecipação de receitas extraordinárias, o represamento de despesas ou a subestimação de passivos contingentes — práticas que historicamente causaram distorções nos indicadores fiscais do país.
Outro ponto sensível levantado na análise técnica do TCU diz respeito ao crescimento da dívida pública bruta, que continua em patamar elevado mesmo com o esforço de ajuste no resultado primário. De acordo com dados oficiais, o Brasil acumula uma dívida bruta superior a 75% do Produto Interno Bruto (PIB), e a tendência de elevação, ainda que moderada, exige atenção especial na definição de políticas fiscais de médio e longo prazo. O tribunal sugere que o governo incorpore metas complementares ou indicadores secundários em seu planejamento, como o controle da dívida líquida e o monitoramento de passivos previdenciários.
O alerta do TCU também tem implicações políticas. A discussão sobre a meta de déficit se tornou um dos eixos centrais da relação entre o Executivo e o Congresso Nacional, especialmente diante da necessidade de aprovar projetos de arrecadação, revisar despesas obrigatórias e regulamentar partes do novo arcabouço fiscal. Ao destacar os limites do foco exclusivo no déficit primário, o tribunal envia um recado direto aos formuladores de política econômica: a credibilidade fiscal não se constrói apenas com metas, mas com coerência, transparência e compromisso de longo prazo.
Para os técnicos da área econômica, o posicionamento do TCU é visto com atenção. A equipe do Ministério da Fazenda, liderada por Fernando Haddad, tem reforçado o compromisso com o equilíbrio das contas públicas e assegurado que o déficit zero será perseguido sem recorrer a artifícios. No entanto, há reconhecimento de que o caminho não será simples: o orçamento segue pressionado por despesas obrigatórias e pela lenta recuperação da arrecadação em alguns setores, além das resistências políticas para aprovar medidas de aumento de receita ou corte de gastos.
O governo também tem se debruçado sobre a revisão de subsídios e incentivos fiscais concedidos a empresas e setores específicos, muitos dos quais foram criados em contextos econômicos distintos e mantidos por inércia institucional. O TCU já havia recomendado anteriormente uma análise criteriosa dessas renúncias, que comprometem a capacidade do Estado de investir e oferecer serviços públicos de qualidade. Parte desse esforço está refletida em propostas de reforma tributária e em medidas administrativas para simplificar o sistema e aumentar a eficiência da cobrança.
No Congresso, parlamentares da base e da oposição acompanham o debate fiscal com posições distintas. Enquanto setores do governo defendem maior flexibilidade para acomodar investimentos sociais e estratégicos, opositores exigem rigor absoluto no cumprimento das metas, sob pena de perda de confiança do mercado e dos agentes econômicos. O alerta do TCU, nesse sentido, reforça a ideia de que o equilíbrio fiscal deve ir além das disputas políticas imediatas e se consolidar como uma diretriz técnica e institucional do Estado brasileiro.
O tribunal também sugeriu o fortalecimento da transparência nas decisões orçamentárias, com ênfase na previsibilidade das despesas, na divulgação de projeções econômicas realistas e na redução de incertezas quanto à execução dos programas federais. Essa postura, segundo os ministros, é essencial para elevar o grau de confiança de investidores, organismos internacionais e da própria sociedade no compromisso do país com a responsabilidade fiscal.
Em resumo, o recado do TCU é claro: cumprir a meta de déficit primário é necessário, mas está longe de ser suficiente. A solidez fiscal exige ações coordenadas, visão estratégica e compromisso com a sustentabilidade das políticas públicas. O desafio que se impõe ao governo é ir além do número e construir uma gestão fiscal que seja, de fato, capaz de garantir estabilidade, crescimento e bem-estar para a população brasileira.