Com foco na responsabilidade fiscal, Durigan propõe uso de lucros de estatais como alternativa diante da baixa na arrecadação
Em meio a um cenário de queda na arrecadação federal, o Ministério da Fazenda busca soluções para manter o compromisso com as metas fiscais sem recorrer imediatamente a aumentos de impostos ou cortes severos em áreas sensíveis. A alternativa que ganha força nos bastidores, e foi defendida publicamente pelo secretário-executivo Dario Durigan, envolve o uso estratégico dos dividendos pagos por empresas estatais como instrumento de compensação no orçamento.
A proposta surge como resposta a uma conjuntura de desaceleração econômica combinada à resistência do Congresso em aprovar medidas de elevação de carga tributária. Nesse contexto, os dividendos — parte dos lucros repassados pelas estatais à União — ganham protagonismo como uma fonte de receita de curto prazo com potencial para aliviar pressões orçamentárias sem gerar desgaste político imediato.
Estratégia de curto prazo com impacto direto nas contas públicas
Durigan explicou que a ideia não representa uma política permanente, mas sim uma medida emergencial voltada a enfrentar oscilações conjunturais na arrecadação. Segundo ele, em vez de recorrer ao endividamento ou paralisar investimentos importantes, o governo pode utilizar os recursos provenientes de empresas lucrativas sob controle estatal para recompor a perda momentânea de receita.
Empresas como Petrobras, Banco do Brasil, BNDES e Caixa Econômica Federal, entre outras, tradicionalmente repassam parte de seus lucros ao Tesouro Nacional. Em anos de maior desempenho, esses dividendos representam uma injeção bilionária nos cofres da União. Utilizá-los de forma mais planejada e direcionada pode ajudar a cobrir déficits pontuais sem comprometer o equilíbrio macroeconômico.
Receita instável exige atenção
Apesar do potencial de curto prazo, técnicos da equipe econômica reconhecem que a receita com dividendos não é contínua nem previsível. Ela depende diretamente do desempenho financeiro das estatais, do ambiente econômico interno e externo, da política de preços das empresas e de suas respectivas estratégias de investimento.
No caso da Petrobras, por exemplo, decisões sobre distribuição de lucros estão diretamente ligadas ao comportamento dos preços do petróleo, à cotação do dólar e às diretrizes definidas pelo seu conselho de administração. Já instituições financeiras públicas, como o Banco do Brasil, também precisam balancear a distribuição de dividendos com suas necessidades de capitalização e expansão de crédito.
Durigan destacou que, justamente por ser uma receita instável, o uso desses recursos precisa ser tratado com cautela, e jamais como substituto permanente de fontes tributárias ou estruturais.
Compensar sem comprometer
O objetivo da proposta é encontrar um meio-termo que permita ao governo enfrentar a queda temporária da arrecadação — resultado de fatores como desaceleração da atividade econômica, renúncias fiscais e mudanças no comportamento de consumo — sem comprometer programas sociais e investimentos públicos prioritários.
Nos últimos meses, as receitas federais vêm apresentando desempenho abaixo do esperado, especialmente em setores como comércio, indústria e serviços. Ao mesmo tempo, despesas obrigatórias crescem em ritmo acelerado, pressionando o orçamento. A utilização dos dividendos surge, então, como uma válvula de escape momentânea.
Para analistas, o uso de dividendos pode até ser uma medida válida no curto prazo, mas precisa estar ancorado em uma política de responsabilidade fiscal mais ampla, que inclua reformas estruturantes, revisão de gastos e modernização do sistema tributário. Caso contrário, o risco é de que essa solução emergencial se transforme em dependência, com consequências negativas no médio e longo prazos.
Política fiscal sob observação
A fala de Durigan ocorre em um momento de intensificação do debate fiscal. O governo está pressionado por diversos lados: precisa manter os compromissos com metas de resultado primário, atender às demandas da sociedade por mais investimentos públicos e, ao mesmo tempo, evitar atritos políticos provocados por propostas impopulares de aumento de impostos.
Ao sinalizar a intenção de recorrer a dividendos, o secretário busca mostrar ao mercado que a equipe econômica está comprometida com o ajuste fiscal, mas de maneira inteligente, sem medidas drásticas ou ineficazes. Trata-se, em essência, de uma tentativa de manter o equilíbrio entre responsabilidade e sensibilidade política.
Estatais em posição estratégica
O novo papel das estatais como parceiras na sustentação do equilíbrio fiscal reacende também o debate sobre sua função dentro da economia. Durante anos, houve pressões para a privatização de várias dessas empresas, sob o argumento de que eram ineficientes ou onerosas. No entanto, muitas delas demonstraram, especialmente nos últimos ciclos econômicos, que podem ser lucrativas e desempenhar papel relevante tanto na geração de receita quanto no investimento público.
Ao defender a utilização dos dividendos, Durigan reforça que a visão do atual governo vai além da simples manutenção ou venda dessas empresas. Elas podem, quando bem geridas, atuar como alicerces de uma política econômica que busca crescer com responsabilidade, equilibrando interesses públicos e eficiência administrativa.
Perspectivas para os próximos meses
A depender do desempenho das receitas até o final do ano fiscal, o governo poderá intensificar o uso de dividendos para evitar contingenciamentos no orçamento. No entanto, essa decisão dependerá também da saúde financeira das estatais, que por sua vez enfrentam seus próprios desafios diante de um cenário global ainda incerto.
Durigan deixou claro que qualquer movimento nesse sentido será transparente e acompanhado de justificativas técnicas. A equipe econômica trabalha com projeções semanais de arrecadação e despesa, e eventuais decisões sobre uso de dividendos passarão por análise cuidadosa.
Com isso, o governo tenta ganhar tempo, evitar medidas impopulares e preservar sua agenda de investimentos. No centro dessa estratégia está a crença de que o equilíbrio fiscal é compatível com a criatividade na gestão de recursos — desde que feita com responsabilidade e visão de longo prazo.