Barroso destaca que cabe ao STF avaliar constitucionalidade de propostas de anistia
Em meio a discussões intensas sobre projetos de lei que visam conceder anistia a investigados e condenados por participação em atos antidemocráticos, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, reiterou que a atribuição de julgar a constitucionalidade de tais medidas é exclusiva da Suprema Corte. O posicionamento reforça a centralidade do STF no equilíbrio entre os Poderes e na garantia da legalidade dos instrumentos legislativos adotados pelo Congresso Nacional.
A declaração, feita em um contexto de crescente pressão política em torno da anistia a envolvidos nos eventos de ruptura institucional ocorridos em anos recentes, ecoa como um aviso claro de que, ainda que o Parlamento tenha a prerrogativa de propor e aprovar leis, nenhuma norma pode se sobrepor aos limites impostos pela Constituição Federal. O Supremo, enquanto guardião da Carta Magna, é o órgão responsável por assegurar que tais limites sejam respeitados.
Barroso enfatizou que qualquer lei aprovada pelo Legislativo pode ser objeto de controle judicial, especialmente quando houver indícios de que ela fere princípios constitucionais como o Estado Democrático de Direito, a separação dos Poderes, a moralidade pública e a responsabilidade penal. Isso significa que, mesmo que uma eventual anistia seja votada e sancionada, sua aplicação pode ser revista, suspensa ou anulada, caso seja considerada inconstitucional pelo STF.
A discussão sobre a anistia ganhou fôlego com o avanço de propostas que visam perdoar penalidades aplicadas a manifestantes, civis e até autoridades envolvidas em atos considerados golpistas ou ofensivos às instituições democráticas. A motivação alegada por defensores dessas propostas inclui a pacificação nacional e a reaproximação de setores da sociedade que se sentiram alijados do processo político. Críticos, por sua vez, argumentam que anistiar tais condutas equivale a legitimar ataques ao Estado de Direito e enfraquecer a responsabilização jurídica de crimes graves contra a democracia.
Para o Supremo, a questão transcende o debate político e toca diretamente no núcleo da ordem constitucional brasileira. O tribunal já consolidou entendimento, em diversas decisões históricas, de que a anistia não pode ser usada como instrumento para apagar crimes contra a ordem democrática, especialmente quando esses crimes foram cometidos com dolo, planejamento e intenção clara de subverter o regime constitucional vigente.
A jurisprudência do STF aponta que a anistia não pode ser aplicada de maneira indiscriminada ou como escudo para proteger agentes públicos ou privados que atentaram contra os fundamentos da República. Esse entendimento está amparado também em princípios internacionais de direitos humanos, que proíbem a impunidade em casos de crimes políticos graves, atentados à vida, à integridade física, à liberdade e ao próprio funcionamento das instituições democráticas.
Além disso, há precedentes em que o Supremo reafirmou que o perdão legislativo não pode alcançar crimes cuja repressão seja imprescindível à manutenção do pacto constitucional. A corte, inclusive, tem sinalizado que, em tempos de ameaça à ordem democrática, a vigilância judicial sobre atos legislativos deve ser ainda mais rigorosa.
O próprio ministro Barroso, ao longo de sua carreira jurídica e acadêmica, sempre defendeu o papel do Judiciário como instância protetora dos valores constitucionais. Em diversos julgamentos, atuou em defesa de direitos fundamentais e do fortalecimento da democracia, o que o coloca entre os ministros que mais publicamente se posicionam sobre temas de alta sensibilidade institucional.
No cenário atual, o Supremo Tribunal Federal segue atento aos desdobramentos no Congresso, especialmente à tramitação de projetos que buscam conceder anistia ampla a envolvidos nos ataques às sedes dos Três Poderes, na tentativa de impedir posse de autoridades legitimamente eleitas ou em campanhas organizadas de desinformação voltadas a minar a confiança no sistema eleitoral.
Caso alguma dessas propostas seja aprovada, é quase certo que sua legalidade será questionada por meio de ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), nas quais o STF será instado a decidir, de forma definitiva, sobre a validade da norma à luz da Constituição de 1988.
Enquanto o debate segue no Parlamento e nas ruas, o recado do presidente do STF funciona como um marco de segurança institucional: em uma democracia constitucional, leis não são absolutas — devem estar sempre subordinadas à Constituição e ao seu espírito. Cabe ao Supremo garantir que, mesmo em tempos de tensão política e divisão social, o Estado de Direito continue sendo a âncora que sustenta a estabilidade e a liberdade no país.