Senado tende a rejeitar proposta que busca ampliar proteção judicial a parlamentares, apontam análises
Em meio a um cenário político marcado por crescentes debates sobre transparência e responsabilização, a Proposta de Emenda à Constituição conhecida como “PEC da Blindagem” enfrenta forte resistência no Senado e, segundo análises de bastidores e de especialistas em direito constitucional, tem poucas chances de avançar na Casa Alta do Congresso Nacional.
A proposta, que ganhou esse apelido por prever novas limitações à atuação do Judiciário contra parlamentares, é vista por muitos como uma tentativa de ampliar o escudo protetivo em torno de deputados e senadores, dificultando ações penais e investigações que envolvam membros do Legislativo. Embora tenha tido algum respaldo inicial na Câmara dos Deputados, onde foi interpretada por parte da base como uma resposta a supostos excessos do Poder Judiciário, no Senado o clima é outro — e predominantemente desfavorável.
A leitura predominante entre senadores é de que a PEC, caso aprovada, representaria um retrocesso institucional, tanto em termos democráticos quanto em relação à imagem pública do Congresso. O receio é de que a medida seja interpretada pela sociedade como um instrumento de auto-proteção política, em um momento em que crescem os apelos por mais responsabilidade, fiscalização e ética no exercício dos mandatos parlamentares.
Entre os principais pontos da proposta, estão dispositivos que dificultam a prisão de parlamentares em flagrante por crimes comuns, ampliam a necessidade de autorização do Congresso para investigações e reduzem o alcance de medidas cautelares determinadas pelo Judiciário, como quebras de sigilo ou afastamentos do cargo. Na prática, críticos da PEC alegam que ela criaria uma barreira quase intransponível para responsabilizar parlamentares por eventuais ilícitos, esvaziando o poder de atuação do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal.
Especialistas ouvidos por comissões internas e centros de pesquisa legislativa apontam que a proposta fere princípios constitucionais como o da igualdade perante a lei e da separação entre os Poderes. Segundo esses analistas, a Constituição já prevê garantias suficientes para a independência do Poder Legislativo, como a imunidade parlamentar para palavras, votos e opiniões. A ampliação dessa proteção para questões penais, no entanto, seria um desvio da função original do instituto da imunidade, que deixaria de ser um mecanismo de proteção institucional para se transformar em um escudo pessoal.
O presidente do Senado e outros membros da Mesa Diretora têm sinalizado, ainda que de forma discreta, que não há interesse em colocar a proposta em votação no plenário. Nos bastidores, líderes de diferentes partidos manifestam preocupação com o impacto negativo que a PEC pode ter sobre a imagem do Senado, especialmente em ano pré-eleitoral, quando a conexão com os anseios populares tende a pesar mais fortemente sobre as decisões políticas.
Parte da resistência também vem do próprio Ministério Público e de magistrados, que veem na proposta uma tentativa de retaliação institucional. A relação entre os Poderes já vem sendo testada em vários episódios recentes, como nos inquéritos que envolvem figuras políticas de alto escalão e nas decisões do Supremo Tribunal Federal que afetaram diretamente o funcionamento do Congresso. Nesse contexto, qualquer iniciativa que pareça enfraquecer o sistema de pesos e contrapesos recebe imediata atenção e reação.
Para os defensores da proposta, por outro lado, trata-se de uma resposta necessária ao que chamam de “judicialização da política”. Eles argumentam que o Legislativo precisa de mais instrumentos para se proteger de interferências indevidas e garantir sua autonomia. Alegam, ainda, que o aumento de ações judiciais contra parlamentares tem criado um ambiente de instabilidade, no qual decisões políticas são judicializadas antes de passarem pelos ritos legais no âmbito do Parlamento.
Apesar desses argumentos, o clima no Senado é de prudência. Há uma percepção coletiva de que avançar com a PEC da Blindagem seria politicamente custoso e juridicamente questionável. Além disso, senadores de diversos espectros ideológicos têm afirmado que a proposta não encontra respaldo popular e que sua aprovação poderia representar um desgaste significativo em termos de confiança pública.
Pesquisas de opinião recentes mostram que a maioria da população é favorável ao aumento da responsabilização de políticos e à redução de privilégios. Com esse pano de fundo, apoiar uma proposta que amplia a proteção jurídica para parlamentares soa, para muitos, como um movimento impopular e de difícil defesa pública. É justamente essa percepção que alimenta a resistência crescente entre os senadores, mesmo aqueles que tradicionalmente defendem maior autonomia do Legislativo.
A tendência, portanto, é de que a proposta seja deixada de lado ou, no máximo, desidratada a ponto de perder seu conteúdo mais polêmico. A depender da pressão social e da mobilização de grupos da sociedade civil, a PEC pode nem sequer avançar nas comissões responsáveis por sua análise, sendo engavetada sem grande alarde — como tantas outras iniciativas controversas já foram no passado recente.
A possível rejeição da PEC da Blindagem pelo Senado pode ser interpretada como um sinal de que, apesar das tensões entre os Poderes, ainda há espaço para o equilíbrio institucional e para a prevalência de princípios democráticos na condução dos assuntos públicos. Mais do que uma disputa entre Judiciário e Legislativo, o que está em jogo é a preservação da legitimidade do sistema político diante de uma sociedade cada vez mais crítica e exigente.