Pressão por perdão político mobiliza oposição, que mira relator do Senado como peça-chave nas articulações
O ambiente político em Brasília volta a se aquecer com a intensificação das movimentações da oposição, que agora direciona seus esforços para uma nova frente estratégica: a pressão sobre o senador Davi Alcolumbre, atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal. No centro da articulação está a tentativa de acelerar o debate em torno de propostas de anistia política que beneficiariam aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, militares e civis investigados por participação em atos considerados antidemocráticos.
Essa movimentação, embora ainda nos bastidores, começa a ganhar corpo e se desenha como uma das apostas mais ambiciosas da oposição no cenário pós-condenações, com foco na reconfiguração da narrativa política da direita brasileira. A busca por uma anistia ampla é apresentada como uma resposta à série de decisões judiciais que atingiram diretamente a base bolsonarista e que, segundo seus aliados, representariam um desequilíbrio institucional.
Oposição tenta construir maioria para proposta polêmica
Diversas lideranças parlamentares da oposição, especialmente aquelas ligadas a partidos de direita e centro-direita, têm atuado para reunir apoio em torno de um possível projeto de anistia que inclua políticos, militares da reserva e manifestantes. A proposta visa perdoar judicialmente ações cometidas durante protestos e manifestações ocorridas após o resultado das eleições presidenciais, e até mesmo antes delas, desde que enquadradas como “motivadas por convicções políticas”.
O discurso dos defensores da medida se baseia em um suposto clima de perseguição institucional e seletividade no tratamento judicial de agentes públicos alinhados ao ex-presidente. Argumentam que, em nome da pacificação nacional, é necessário “virar a página” dos conflitos recentes e permitir que o país avance sem a contínua judicialização da política.
No entanto, essa tese encontra forte resistência em outros setores do Congresso, inclusive entre parlamentares mais moderados. Há quem veja na proposta uma tentativa de institucionalizar a impunidade, especialmente quando ela se refere a ações que colocaram em risco o funcionamento das instituições democráticas.
Alcolumbre no centro do tabuleiro
É nesse cenário que o nome de Davi Alcolumbre ganha protagonismo. Como presidente da CCJ, ele possui o poder de definir quais projetos são ou não pautados na comissão — que é responsável por analisar, sob o aspecto jurídico e constitucional, propostas legislativas sensíveis como a que envolve anistia. Embora tenha evitado declarações públicas sobre o tema, Alcolumbre já se tornou alvo direto de pressões intensas por parte de lideranças oposicionistas que buscam garantir a tramitação da proposta.
Conhecido por seu perfil discreto e por costurar decisões nos bastidores, o senador do Amapá tem sido procurado por representantes de diferentes blocos políticos. De um lado, a oposição tenta convencê-lo da “necessidade política” da medida; de outro, setores do governo e da base moderada o alertam para as repercussões institucionais negativas que uma eventual aprovação poderia causar.
A escolha de Alcolumbre como alvo da articulação não é aleatória. Com trânsito entre várias bancadas e histórico de atuação pragmática, ele é visto como alguém capaz de destravar ou barrar agendas espinhosas com base em cálculos políticos precisos.
Reações e consequências em diferentes frentes
Enquanto a oposição se organiza para pressionar por uma anistia legislativa, a resposta do governo tem sido de cautela, mas atenta. Integrantes do Executivo e da base aliada monitoram a movimentação com preocupação, sobretudo pelo risco de que a pauta avance em meio a um Congresso cada vez mais tensionado pelas eleições municipais e pela fragmentação das bancadas.
Nos bastidores do Judiciário, há forte resistência à ideia de conceder perdão a envolvidos em atos que, na avaliação de magistrados e procuradores, colocaram em xeque o Estado Democrático de Direito. A possibilidade de o Senado interferir na responsabilização desses atos é vista como um gesto perigoso, que poderia enfraquecer o princípio da separação dos poderes e afetar a credibilidade das instituições.
Especialistas ouvidos por parlamentares alertam ainda que o termo “anistia política” não deve ser usado como escudo para ações que extrapolam os limites legais, sobretudo quando envolvem ameaças à democracia, incitação à violência ou desobediência institucional. Segundo essa visão, qualquer iniciativa nesse sentido precisaria ser muito bem fundamentada para não abrir precedentes problemáticos.
Mobilização nas ruas e nas redes
Paralelamente às articulações no Senado, movimentos conservadores e ativistas digitais já iniciaram uma campanha informal em defesa da anistia. A pauta tem ganhado espaço em manifestações públicas, discursos de lideranças religiosas e conteúdos nas redes sociais, com forte apelo à emoção e à ideia de “injustiça” contra os conservadores. A pressão popular, como já ocorreu em outros momentos, pode ser usada como ferramenta para aumentar a cobrança sobre Alcolumbre e outros parlamentares.
Por outro lado, entidades da sociedade civil e representantes de movimentos pró-democracia também começam a se posicionar contra o avanço dessa pauta. Organizações de juristas, professores de direito constitucional e analistas políticos vêm reforçando a necessidade de preservar o processo judicial sem interferências externas, sob o risco de comprometer a credibilidade do sistema legal brasileiro.
Um impasse que vai além da legislação
A tentativa de aprovar uma anistia por meio da atuação direta sobre Davi Alcolumbre é apenas uma face de um embate maior que ultrapassa os limites do Senado. O que está em disputa é a narrativa dominante sobre os eventos recentes que marcaram o país, especialmente aqueles relacionados à contestação eleitoral, aos atos nas ruas e à tentativa de ruptura institucional.
Ao colocar em pauta a ideia de perdão legal, a oposição busca também afirmar sua versão da história recente, transformando o campo legislativo em um palco para disputar legitimidade. A decisão de Alcolumbre, qualquer que seja, poderá ter reflexos duradouros — não apenas para os envolvidos diretamente, mas para a forma como o Brasil interpretará juridicamente episódios que testaram os limites da democracia.