Estratégia do Executivo aposta na polarização como motor político de mobilização popular
A recente movimentação do governo federal tem deixado claro que a aposta em uma estratégia de acirramento político — baseada na retórica de confronto entre dois blocos antagônicos — está mais presente do que nunca. O discurso do “nós contra eles”, embora não seja novidade no cenário brasileiro, vem sendo readaptado e potencializado por integrantes da administração atual como instrumento de articulação política, consolidação de base social e enfrentamento da oposição.
Esse tipo de abordagem, centrada na construção de uma narrativa binária e emocional, serve tanto para mobilizar apoiadores quanto para forçar uma reorganização das forças políticas no campo adversário. A tática tem raízes profundas na história política recente do país, marcada por sucessivos ciclos de polarização, mas agora surge em novo formato, com foco em pautas econômicas, sociais e institucionais que dividem profundamente a opinião pública.
A construção do discurso polarizador
Nos bastidores do Palácio do Planalto, interlocutores próximos do presidente reconhecem que a polarização — embora perigosa para o ambiente democrático — pode funcionar como um elemento de coesão entre os setores mais fiéis ao governo. A lógica é simples: ao definir com clareza quem é o inimigo político, o governo facilita a mobilização de seus simpatizantes em torno de uma identidade coletiva, consolidada pela ideia de resistência, enfrentamento ou correção histórica.
Esse “adversário” pode assumir diferentes rostos: elites econômicas, setores do Judiciário, figuras da oposição, a grande imprensa ou até mesmo agentes externos. A linguagem utilizada nesses casos é cuidadosamente moldada para provocar reações intensas — seja de apoio fervoroso, seja de rejeição imediata. Em ambos os casos, o efeito político é garantido: o governo permanece no centro do debate público.
Polarização como ferramenta de sobrevivência política
A manutenção de um ambiente de confronto contínuo pode ter várias utilidades estratégicas. Em momentos de desgaste, dificuldades econômicas ou crises institucionais, a polarização serve como válvula de escape — desviando o foco de problemas concretos para batalhas simbólicas. Ao transformar divergências em disputas existenciais, o governo busca manter viva a lealdade de sua base mesmo diante de dificuldades na entrega de resultados objetivos.
Além disso, esse tipo de estratégia contribui para fragilizar as alternativas políticas. Forças moderadas ou centristas tendem a ser empurradas para um dos polos, tornando mais difícil o surgimento de consensos ou alianças amplas. Em vez de debate racional sobre políticas públicas, o cenário se torna um embate de identidades, dificultando acordos institucionais e alimentando a radicalização.
Impacto sobre o ambiente institucional
No plano institucional, a retórica do “nós contra eles” pode gerar efeitos colaterais importantes. Ela tensiona a relação entre os Poderes, reduz o espaço para o diálogo entre Executivo e Legislativo e aumenta a hostilidade com setores do Judiciário. Embora o presidente e seus ministros adotem, em público, uma postura de respeito às instituições, declarações de bastidores e atitudes pontuais demonstram que a convivência institucional nem sempre é tranquila.
Esse embate permanente também afeta o funcionamento da máquina pública. Órgãos técnicos, que deveriam operar com autonomia, passam a ser pressionados por disputas ideológicas ou interesses políticos. Isso compromete a qualidade das decisões governamentais e pode enfraquecer políticas públicas que exigem planejamento de longo prazo e cooperação interinstitucional.
A reação da oposição e da sociedade civil
A oposição, por sua vez, tenta responder à estratégia com discursos de reconstrução, moderação ou denúncia. Mas muitas vezes acaba sendo tragada pela mesma lógica binária. A necessidade de se posicionar em relação aos ataques e discursos oficiais leva partidos, parlamentares e figuras públicas a assumirem posturas reativas, nem sempre coordenadas. O resultado é uma oposição fragmentada, que oscila entre o confronto direto e a tentativa de se diferenciar tanto do governo quanto de alas mais extremadas do espectro político.
Já a sociedade civil reage de forma dividida. Setores mais alinhados ao governo endossam o discurso polarizador, vendo nele uma defesa contra ameaças reais ou imaginárias. Por outro lado, movimentos independentes, organizações não governamentais e parte da imprensa alertam para os riscos da divisão permanente: corrosão do debate público, intolerância crescente e redução do espaço democrático para a convivência de ideias divergentes.
O dilema da governabilidade em tempos de divisão
Apesar dos ganhos imediatos que a polarização pode oferecer — como fidelidade eleitoral, mobilização constante e domínio da narrativa pública —, os riscos de longo prazo são significativos. Um país permanentemente dividido enfrenta maiores dificuldades para construir políticas de Estado, atrair investimentos, negociar reformas estruturais e manter estabilidade social.
No Congresso, por exemplo, o ambiente polarizado dificulta a aprovação de matérias complexas, exigindo do governo habilidade adicional para construir pontes e garantir quórum. Mesmo projetos bem avaliados tecnicamente podem naufragar se forem associados a um dos polos da disputa política.
Para governar de forma eficaz, o Executivo precisa, em algum momento, transcender a lógica da trincheira. Caso contrário, corre o risco de tornar-se prisioneiro da própria estratégia — alimentando uma base leal, mas incapaz de ampliar sua influência para além do núcleo duro de apoiadores.
Perspectivas futuras
Com o cenário político cada vez mais dominado por narrativas emocionais e embates simbólicos, o Brasil caminha para um período em que a disputa política será travada menos com base em programas de governo e mais na construção de identidades antagônicas. O desafio será enorme: conciliar governabilidade com pacificação institucional, atender demandas sociais sem recorrer à retórica do conflito e reconstruir pontes com setores que hoje se sentem excluídos do diálogo público.
O discurso do “nós contra eles”, embora eficaz em certos momentos, cobra um preço alto: o empobrecimento do debate democrático e a fragmentação da sociedade. Caberá às lideranças políticas — dentro e fora do governo — decidirem se continuarão a explorar essa lógica ou se buscarão caminhos para superá-la em nome do interesse nacional.