Projeto sobre responsabilização precoce de menores entra em pauta de urgência na Câmara nesta terça-feira
A Câmara dos Deputados prepara-se para deliberar, em regime de urgência, um projeto de lei que tem gerado intensa controvérsia em diferentes setores da sociedade: trata-se da proposta que trata da chamada “adultização” de adolescentes, ou seja, da antecipação de responsabilidades legais e penais a menores de idade em determinados contextos. A votação da urgência da matéria foi pautada para esta terça-feira, e promete abrir um novo capítulo na discussão nacional sobre juventude, segurança pública e sistema penal.
O projeto em questão — que ainda divide opiniões mesmo entre parlamentares da base governista e da oposição — propõe alterar trechos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, em algumas interpretações, aproxima a legislação brasileira de um modelo mais rígido de responsabilização penal de adolescentes, mesmo mantendo a maioridade penal formalmente aos 18 anos.
A “adultização”, como tem sido chamada por especialistas e juristas, refere-se à adoção de medidas que tratam adolescentes em conflito com a lei de maneira similar a adultos, seja por meio do aumento do tempo de internação, seja pela ampliação das hipóteses em que o menor pode ser submetido a medidas socioeducativas mais severas, ou ainda pela flexibilização do tratamento jurídico a partir dos 16 anos em crimes considerados graves.
A urgência da proposta, se aprovada, permite que o projeto vá diretamente ao plenário da Câmara, sem necessidade de passar por todas as comissões temáticas. Isso acelera significativamente sua tramitação e eleva o grau de atenção dos parlamentares, da sociedade civil e de organizações de defesa dos direitos da infância e da juventude.
O tema não é novo no Congresso, mas sua volta à pauta em um momento de crescente pressão popular por segurança pública dá à proposta um peso político especial. Grupos favoráveis ao projeto argumentam que o atual sistema de responsabilização de adolescentes por infrações penais está defasado e não responde adequadamente à gravidade de crimes cometidos por jovens. Defendem que, diante do aumento de casos violentos envolvendo menores, é necessário rever os limites impostos pela legislação atual.
De outro lado, entidades de defesa dos direitos humanos, conselhos tutelares, especialistas em direito da infância e até organismos internacionais alertam para os riscos de uma política de endurecimento sem base em evidências. Para esses grupos, a “adultização” é uma resposta simplista a um problema estrutural e pode aprofundar a exclusão social, além de comprometer princípios constitucionais como a proteção integral e a prioridade absoluta a crianças e adolescentes.
Críticos da proposta também argumentam que a responsabilização precoce não resolve as causas da violência juvenil, que estão ligadas a fatores como pobreza, falta de acesso à educação, racismo estrutural e ausência de políticas públicas de inclusão. Segundo essa visão, políticas que tratam adolescentes como adultos no sistema de justiça apenas reproduzem ciclos de criminalização sem garantir reabilitação ou reintegração social.
No plano político, a votação da urgência também será um teste de força entre diferentes blocos parlamentares. O tema atravessa as divisões tradicionais entre esquerda e direita, e tem provocado embates internos em partidos que costumam adotar discursos mais moderados. Enquanto parte da bancada da segurança pública pressiona por uma tramitação célere, outras alas alertam que o debate precisa ser feito com profundidade e responsabilidade, dada a complexidade e as possíveis consequências do projeto.
Caso a urgência seja aprovada, o texto poderá ser votado no plenário já nos próximos dias, o que aumenta a mobilização de organizações da sociedade civil e de parlamentares contrários à proposta. A expectativa é de um debate acalorado, com discursos voltados tanto à opinião pública quanto aos bastidores do Congresso.
Além disso, o projeto levanta questões jurídicas relevantes. O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou em diferentes ocasiões sobre a necessidade de se respeitar os princípios do ECA e os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU. Eventuais mudanças na legislação podem ser alvo de contestação judicial caso sejam vistas como violação de compromissos internacionais assumidos pelo país.
Do ponto de vista técnico, especialistas em direito penal e socioeducativo recomendam cautela e defendem a realização de audiências públicas, estudos de impacto e escuta ativa de profissionais da área antes de qualquer mudança profunda no tratamento legal de adolescentes.
Enquanto isso, a sociedade observa com atenção os próximos passos da Câmara. A urgência da pauta é, para muitos, o sinal de que o Brasil está diante de uma encruzilhada: endurecer o sistema ou investir em caminhos alternativos que combinem justiça com inclusão e cidadania.
Independentemente do resultado da votação desta terça-feira, o tema certamente continuará no centro do debate político e jurídico nos próximos meses, com desdobramentos que poderão influenciar a política criminal brasileira por muitos anos.