Militar Obediente: Cid é Retratado Assim por Testemunhas
Nos desdobramentos da investigação que envolve o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, testemunhas que prestaram depoimento no processo conduzido pelo Supremo Tribunal Federal têm reforçado um mesmo ponto: Cid é descrito como um militar disciplinado, subordinado às estruturas de comando, e alguém que apenas cumpria ordens superiores, sem questionamentos ou decisões próprias.
Essa imagem tem sido sistematicamente trabalhada tanto por sua defesa quanto pelas pessoas ouvidas no inquérito, como estratégia para desvinculá-lo de possíveis intenções políticas ou ações autônomas relacionadas aos fatos investigados. A tática jurídica busca reforçar o argumento de que Mauro Cid era apenas um elo operacional em uma cadeia de comando.
Trajetória Militar e Perfil Profissional
Mauro César Barbosa Cid é oficial do Exército Brasileiro, com uma carreira construída dentro da hierarquia militar. Formado pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), ele ganhou notoriedade ao ser designado como ajudante de ordens de Jair Bolsonaro durante o mandato presidencial.
A função de ajudante de ordens é essencialmente operacional e subordinada. O militar atua como uma espécie de assistente pessoal do presidente, cuidando da agenda, logística e suporte direto, especialmente em eventos oficiais. A atuação é marcada por discrição, lealdade e obediência ao chefe de Estado.
Durante o tempo em que esteve ao lado de Bolsonaro, Cid ganhou projeção e visibilidade, especialmente durante eventos públicos e cerimônias oficiais. Sua proximidade com o então presidente o colocou no centro de diversas investigações posteriores, relacionadas a possíveis irregularidades durante e após o mandato.
Testemunhos Reforçam a Subordinação
Nas oitivas recentes, várias testemunhas ouvidas pela Justiça e pela Polícia Federal afirmaram que Cid sempre demonstrou comportamento típico de um militar disciplinado. Segundo esses relatos, ele agia estritamente sob ordens superiores e jamais tomava decisões de forma independente. Essa postura teria sido mantida mesmo em situações de tensão, como durante os últimos dias do governo Bolsonaro e os episódios investigados que envolvem possíveis tentativas de subversão democrática.
A estratégia da defesa tem sido reiterar que Mauro Cid não tinha autonomia para deliberar ou interferir em decisões de Estado, políticas ou jurídicas. Sua atuação, segundo esse argumento, estava limitada às funções técnicas e cerimoniais, sem envolvimento direto em qualquer tipo de articulação política.
Uso da Farda e Postura no Depoimento
Em seu depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que apura os atos do dia 8 de janeiro, Cid compareceu fardado, uma escolha simbólica que reforça sua identidade militar e o compromisso com a hierarquia. O uso da farda foi interpretado como um gesto de reafirmação do seu papel institucional e do respeito às normas das Forças Armadas.
Durante a sessão, Cid exerceu o direito de permanecer em silêncio, o que, por orientação da defesa, visava preservar seu direito constitucional de não se autoincriminar. Ainda assim, ele fez uma breve declaração inicial destacando sua formação militar, sua atuação como ajudante de ordens e o caráter institucional de suas ações.
Narrativa da Obediência e Suas Implicações Jurídicas
A tentativa de consolidar a imagem de Cid como um “obediente cumpridor de ordens” tem implicações diretas na análise de sua responsabilidade penal. No Direito Penal Militar e no processo penal comum, a alegação de estrita obediência pode ser utilizada como atenuante ou mesmo excludente de culpabilidade, especialmente quando se prova que o subordinado não tinha liberdade de decisão.
Contudo, essa tese é controversa. Especialistas apontam que o militar não está isento de responsabilidade quando a ordem recebida é manifestamente ilegal. Portanto, o desafio da defesa será demonstrar que, em nenhum momento, Mauro Cid teve conhecimento de irregularidades ou participou conscientemente de atos ilícitos.
Além disso, investigações apontam que ele teria participado da gestão de documentos, do manuseio de presentes oficiais e da interlocução com outros membros do governo. Esses fatos precisam ser confrontados com a versão apresentada pelas testemunhas.
O Papel de Mauro Cid no Caso das Joias e 8 de Janeiro
O nome de Cid também aparece em inquéritos que investigam o destino de joias recebidas pelo governo brasileiro, assim como nos autos que apuram o planejamento e a execução de ações contra a democracia. Ele chegou a ser preso preventivamente em 2023 e, posteriormente, celebrou um acordo de delação premiada.
No entanto, as investigações ainda estão em curso, e os relatos das testemunhas que o descrevem como alguém “sem iniciativa própria” terão que ser balanceados com as evidências materiais, como mensagens de celular, vídeos e documentos encontrados durante as operações da Polícia Federal.
Conclusão: Um Soldado Submisso ou Um Agente Ativo?
O futuro jurídico de Mauro Cid dependerá da capacidade da Justiça de distinguir entre o que foi obediência legítima e o que foi cumplicidade consciente. A narrativa de que ele era apenas um executor de ordens pode atenuar sua responsabilidade, mas não o isenta automaticamente de consequências.
A imagem de militar exemplar, repetida por várias testemunhas, é poderosa, especialmente diante da cultura de respeito às Forças Armadas. Mas, diante das acusações graves que envolvem tentativa de golpe, a Justiça precisará ir além da aparência e avaliar a profundidade da atuação de cada envolvido.