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“No Brasil, ser rico é uma performance frágil”, afirma Michel Alcoforado: o retrato de um país que trata riqueza como imagem e não como estabilidade

A discussão sobre riqueza no Brasil vai além de números, extratos bancários e patrimônio declarado. Ela envolve status, aparência, medo de perda e a necessidade constante de reafirmar posição social. Essa é a reflexão central trazida pelo antropólogo Michel Alcoforado ao analisar o comportamento das elites brasileiras. Para ele, “ser rico no Brasil é uma performance frágil”, porque a riqueza, aqui, é sustentada pela forma como o indivíduo se mostra, e não necessariamente pela segurança material que possui.

Sua análise parte da ideia de que, em um país marcado por desigualdades profundas, a elite sente a necessidade permanente de justificar sua posição e, ao mesmo tempo, proteger-se do que considera uma ameaça de queda. A riqueza não é tratada como algo estável, mas como algo que precisa ser defendido e encenado diariamente.

Status como construção diária

Para Alcoforado, a elite brasileira vive em um estado constante de vigilância: sobre como se veste, onde frequenta, que bens consome, que viagens realiza e como é percebida socialmente. A imagem não é apenas consequência da riqueza — ela passa a ser o próprio instrumento de validação.

No Brasil, a riqueza se expressa em símbolos:

  • condomínios fechados com segurança reforçada;
  • carros importados;
  • educação bilíngue para os filhos;
  • viagens internacionais;
  • restaurantes de luxo frequentados mais pela foto que pela experiência.

Não se trata apenas de possuir bens, mas de fazer questão de mostrar que os possui.

O medo permanente de “cair”

Apesar da ostentação, existe uma ansiedade constante entre as classes altas brasileiras: a percepção de que a própria riqueza é volátil. A incerteza sobre o futuro — seja pela instabilidade econômica, pela sensibilidade do mercado, ou pela oscilação política — cria um ambiente onde manter-se rico é visto quase como uma batalha.

Esse medo é reforçado por episódios de crise que, ao longo das últimas décadas, reduziram patrimônios rapidamente, abalando a impressão de riqueza invencível.

No Brasil:

  • quem é rico teme deixar de ser,
  • quem é classe média teme não ascender,
  • quem é pobre luta para sobreviver.

A mobilidade social acontece, mas de forma desigual e muito mais frequentemente para baixo do que para cima.

A elite que se blinda da própria realidade do país

Outro ponto destacado é a distância física e simbólica que a elite constrói em relação ao restante da sociedade. Condomínios, carros blindados, escolas particulares e segurança privada não são apenas escolhas práticas — são também mecanismos de isolamento.

Essa blindagem reforça:

  • o medo da violência urbana,
  • o distanciamento entre classes,
  • a incapacidade de diálogo social,
  • e a impressão de que o país é hostil, especialmente fora das zonas “controladas”.

Isso gera um paradoxo: quem tem mais condições materiais vive frequentemente com mais medo, não menos.

A riqueza como narrativa, não como tranquilidade

Ao contrário de países onde o patrimônio acumulado gera sensação de estabilidade para gerações futuras, no Brasil a elite vive sob o temor de que o contexto político-econômico possa mudar repentinamente, comprometendo negócios, investimentos e renda. Por isso, a riqueza se torna mais narrativa do que realidade plena.

É o ser rico que precisa ser visto. A riqueza passa a ser performada.

O que essa análise revela sobre o Brasil

A fala de Michel Alcoforado expõe um modelo de sociedade onde:

  • a desigualdade é estrutural e visível;
  • a elite assume para si um papel de vigilância constante;
  • o status social depende da forma como é apresentado aos outros;
  • e a riqueza não se traduz necessariamente em segurança emocional, política ou econômica.

O resultado é um país onde a elite ostenta, mas teme. Onde a classe média aspira, mas raramente alcança. E onde os mais pobres observam uma vitrine que, na prática, está sempre fora de alcance.

Conclusão

O Brasil é um país onde ser rico não significa estar seguro. Significa, antes, estar atento. Significa administrar um personagem social. Significa performar todos os dias uma posição que pode parecer elevada, mas que permanece instável.

A riqueza, aqui, não se sustenta apenas no que se tem — mas no que se mostra.

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