Ex-ministro Cardozo alerta que megaoperação no Rio pode fortalecer atuação de milícias e fragilizar comunidades
O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo afirmou que a recente megaoperação de segurança no Rio de Janeiro, conduzida pelas forças estaduais com apoio da Polícia Federal, pode acabar abrindo brechas para o fortalecimento das milícias nas regiões periféricas do estado. Segundo ele, embora o objetivo da ação seja desmantelar o poder das facções criminosas, a forma como ela vem sendo conduzida pode gerar vácuos de poder que seriam rapidamente ocupados por grupos paramilitares locais.
Cardozo destacou que a experiência histórica das intervenções policiais de grande escala mostra que, sem planejamento e presença constante do Estado, as áreas antes dominadas por facções acabam sendo cooptadas por milicianos, que passam a controlar o comércio, o transporte e até o fornecimento de serviços básicos. Ele alertou que o combate à criminalidade precisa ser acompanhado de políticas públicas que reduzam a vulnerabilidade social e impeçam a substituição de um tipo de poder armado por outro.
O ex-ministro também ressaltou que ações repressivas isoladas, embora possam gerar sensação de segurança imediata, tendem a reorganizar o crime em novas formas de estrutura. Para ele, o verdadeiro desafio é quebrar os ciclos de dominação territorial, garantindo que o Estado ocupe esses espaços com educação, saúde e oportunidades econômicas, e não apenas com policiamento.
Durante sua análise, Cardozo recordou episódios anteriores em que a ausência de coordenação entre forças federais e estaduais resultou em aumento da influência das milícias. Ele lembrou que, desde o início dos anos 2000, esses grupos vêm expandindo seu alcance sobre diversas zonas metropolitanas do Rio, aproveitando lacunas deixadas por operações policiais que não foram seguidas por políticas de reconstrução social.
Para o ex-ministro, é fundamental que a atuação no estado seja coordenada entre todas as esferas do poder público. Ele defendeu que o governo federal, o estado e os municípios estabeleçam uma estratégia integrada, com mecanismos de inteligência e acompanhamento contínuo, de modo a evitar que a intervenção policial se transforme em um catalisador de novas formas de dominação criminosa.
Cardozo observou ainda que o discurso de enfrentamento total às facções precisa vir acompanhado de uma análise criteriosa das consequências sociais. Segundo ele, operações de grande porte, quando mal planejadas, podem provocar deslocamentos populacionais, aumentar o número de vítimas civis e ampliar o ressentimento entre moradores e autoridades, o que favorece o avanço de grupos armados que prometem “proteção” à população.
O ex-ministro defendeu que o combate às organizações criminosas seja visto como uma política de Estado e não apenas de segurança pública. Na sua avaliação, as milícias representam hoje um dos principais desafios estruturais à democracia, pois combinam coerção armada, influência política e domínio econômico — o que as torna, nas suas palavras, “uma forma de poder paralelo que ameaça as instituições”.
Cardozo também chamou atenção para a necessidade de rever o modelo de intervenção policial em áreas urbanas densamente povoadas. Ele argumentou que a presença ostensiva de forças armadas e o uso de veículos blindados podem gerar clima de guerra, tornando difícil distinguir criminosos de civis. O resultado, segundo ele, é o aumento da desconfiança entre comunidades e autoridades, criando terreno fértil para que as milícias ofereçam uma falsa sensação de ordem e estabilidade.
Em outro ponto de sua análise, o ex-ministro enfatizou que a criminalidade no Rio é um fenômeno multifatorial, que não será solucionado apenas por ações punitivas. Ele defendeu o fortalecimento das políticas de prevenção, incluindo programas de inclusão social, geração de emprego e investimento em educação, como formas sustentáveis de desarticular o poder econômico das facções e das milícias.
Cardozo concluiu afirmando que o momento exige equilíbrio entre firmeza e inteligência, e que o Estado deve “entrar para ficar”, levando cidadania às áreas mais afetadas pela violência. Ele reiterou que a segurança pública precisa estar aliada ao desenvolvimento humano, pois, caso contrário, as operações continuarão se repetindo sem resultado duradouro.
A advertência de Cardozo ocorre em meio ao debate nacional sobre os efeitos colaterais da megaoperação deflagrada no estado, que já gerou discussões sobre excessos, falta de coordenação e impacto sobre comunidades civis. Sua análise reforça a visão de que o combate à criminalidade no Rio de Janeiro não deve se limitar à repressão, mas envolver transformações estruturais e políticas de reconstrução social que impeçam o retorno — ou o avanço — das milícias sobre o território.


 
							 
							