Filho de prefeito cassado e preso por elo com facção vence eleição suplementar no Ceará
Em uma reviravolta que surpreendeu observadores políticos e da Justiça eleitoral, o município de Santa Quitéria (CE) escolheu como prefeito o filho do ex-gestor que teve o mandato cassado após comprovação de ligação com a facção Comando Vermelho. O candidato, Joel Barroso (PSB), oficializou o triunfo com cerca de 53,21% dos votos válidos na eleição suplementar realizada após a cassação do pai, José Braga Barroso, conhecido como “Braguinha”.
O fundo da crise
A sequência de eventos começou com a prisão de Braguinha no dia 1º de janeiro de 2025, horas antes de tomar posse para o novo mandato. A seguir, uma investigação da Justiça Eleitoral apontou que, durante a campanha, houve atuação da facção Comando Vermelho para influenciar a disputa local: oferecimento de drogas em troca de votos, ameaças a adversários e intimidação de apoiadores. A partir dessas evidências, o tribunal eleitoral cassou o mandato do prefeito e do vice, reconhecendo que o pleito fora comprometido por abuso de poder político e econômico.
Com o mandato vago, foi convocada eleição suplementar para um novo prefeito, e Joel Barroso, então presidente da Câmara Municipal, assumiu como prefeito interino até a eleição. Ele decide concorrer e conquistar a confiança dos eleitores.
A campanha e o resultado
Apesar da crise de imagem e da acusação de vínculo familiar com o gestor cassado, Joel Barroso conseguiu mobilizar eleitores e apresentar uma escolha de continuidade para boa parte da população. Ele travou disputa contra candidatas de oposição — entre elas uma representante de partido de centro-esquerda e outra de centro — e venceu com uma margem confortável, somando mais de 13 mil votos.
Durante seu discurso de vitória, o novo prefeito eleito destacou que sua plataforma se baseia em três pilares: saúde, educação para inclusão (com foco em crianças com autismo) e infraestrutura de vias vicinais, referindo-se ao desafio de Santa Quitéria, município com grande extensão territorial. Ele se comprometeu a governar com transparência, distanciando-se das irregularidades que levaram à cassação de seu pai e prometendo dar prioridade ao atendimento básico da população.
O que está em jogo
A eleição e o resultado levantam questões importantes sobre política, controle social e a relação entre denúncias de crime organizado e disputas locais. O eleitorado escolheu dar uma nova chance à mesma família, talvez apostando na experiência local ou na manutenção de determinados grupos de apoio; ao mesmo tempo, o episódio reforça críticas de que oligarquias políticas continuam operando em municípios menores.
Para a Justiça eleitoral, a vitória de Joel Barroso também representa um teste — se ele conseguir atuar dentro da legalidade e promover a mudança prometida, poderá abrir novo capítulo no município. Se cometer deslizes ou atuar à sombra das práticas do passado, o mecanismo de fiscalização poderá voltar a entrar em cena.
Olhando para o futuro
Como prefeito eleito em contexto de crise, Joel Barroso herda um desafio duplo: governar um município ainda sob observação e, ao mesmo tempo, demonstrar que a eleição foi mais do que um reflexo de poder local e continuísmo. O desenrolar de sua gestão será acompanhado de perto pela sociedade civil, pela imprensa e pelos órgãos de controle.
Nos próximos meses, teremos que observar se as promessas serão cumpridas, se a relação com grupos de influência será de fato rompida, e qual será o impacto local para a democracia e para a qualidade dos serviços públicos. Independentemente de seu desempenho, o fato de um filho assumir após cassação do pai por ligação com facção criminosa já deixa claro que, no cenário político brasileiro, os ciclos de poder têm ramificações complexas — e que a renovação nem sempre significa ruptura.

