Economia

Trabalhadores de aplicativos ganham um pouco mais, mas enfrentam jornadas significativamente mais longas

O trabalho intermediado por plataformas digitais — apps de transporte, de entrega ou de serviços gerais — tem conquistado cada vez mais espaço no Brasil. Segundo levantamento recente do IBGE, em 2024 os profissionais que atuam por meio desses aplicativos (“plataformizados”, na nomenclatura do instituto) registraram rendimento mensal médio de R$ 2.996. Esse valor é cerca de 4,2% superior à média dos ocupados que não utilizam plataformas, cujo rendimento foi de R$ 2.875.

No entanto, esse aparente ganho vem acompanhado de um custo importante: a jornada de trabalho desses profissionais é muito maior. Em média, eles laboraram 44,8 horas por semana, enquanto os não plataformizados registraram jornada média de 39,3 horas. Ou seja: quem escolhe trabalhar por aplicativo, em média, está se dedicando quase cinco horas a mais por semana do que quem está fora desse modelo.


Por dentro dos números e implicações

Apesar de o rendimento mensal ser mais alto entre os plataformizados, o valor ganho por hora trabalhada revela que o “benefício” não é tão evidente assim. Ao dividir o rendimento pelos dias e horas trabalhadas, o instituto calculou que o rendimento médio por hora dos plataformizados foi de R$ 15,40, enquanto para os não plataformizados atingiu R$ 16,80 — ou seja, cerca de 8,3% menor para quem atua via aplicativo.

Esse fato indica que, embora o “total do mês” aparente ser superior, gran parte desse resultado se dá porque há mais horas trabalhadas. Em outras palavras: é preciso trabalhar mais para que o rendimento mensal fique acima da média — e a remuneração por hora efetiva é inferior.

Além disso, o perfil dos trabalhadores por aplicativo apresenta outras particularidades:

  • A contribuição previdenciária entre os plataformizados é bastante inferior à dos não plataformizados;
  • O nível de escolaridade influencia fortemente os retornos: entre quem tem ensino superior, por exemplo, os plataformizados ganham bem menos do que seus pares fora dos apps — invertendo a tendência observada entre quem está nas camadas de escolaridade mais baixa;
  • A “flexibilidade” anunciada por trabalhadores de aplicativos aparece no discurso, mas os dados sugerem forte dependência das plataformas em relação a quanto, quando e como trabalham — inclusive por meio de incentivos, bônus e até punições (bloqueios) para influenciar a jornada.

O que os especialistas avaliam

Analistas que acompanham o tema destacam que esse modelo híbrido — entre ter “liberdade” para trabalhar via aplicativos e ainda estar sob forte influência das plataformas — gera um paradoxo: muitos profissionais optam por esse formato buscando autonomia ou rendimento extra, mas acabam presos a jornadas longas e remuneração por hora inferior.

Outro ponto ressaltado é que para pessoas com menor escolaridade, esse tipo de ocupação pode até oferecer retorno comparativamente melhor do que outras opções disponíveis — o que ajuda a entender o ingresso crescente nessa modalidade. Já para quem tem ensino superior completo, trabalhar por app muitas vezes representa uma escolha de transição ou contingência, porque o rendimento está abaixo do que poderia alcançar fora desse modelo.


Consequências para a dinâmica do trabalho

A ampliação desse tipo de trabalho por aplicativo tem várias repercussões para o mercado e para as políticas públicas:

  • Proteção social: com menor contribuição previdenciária, os profissionais ficam mais vulneráveis a situações de risco (aposentadoria, benefícios) no futuro.
  • Saúde e bem-estar: jornadas mais longas podem implicar desgaste físico e psicológico, sobretudo em atividades de entrega e transporte, que envolvem trânsito, exposição ao clima e riscos variados.
  • Eficiência e rendimento: se a remuneração por hora for inferior, a pergunta que se impõe é se esse modelo é sustentável a médio e longo prazo para o trabalhador — ou se ele está “trabalhando demais para ganhar de forma insuficiente”.
  • Desigualdade interna: o fato de que trabalhadores de plataformas com ensino superior ganham menos do que trabalhadores fora das plataformas com formação equivalente evidencia que a migração para o trabalho por app nem sempre representa “promoção” de carreira, mas muitas vezes uma adaptação em contexto de escassez de outras vagas.

Caminhos em discussão

Para equilibrar essa dinâmica, alguns pontos estão sendo debatidos por especialistas e formuladores de políticas:

  • Melhor visibilidade e transparência nos modelos de remuneração e jornada nas plataformas;
  • Garantia de direitos mínimos para quem trabalha em regime de plataforma — mesmo que sob modelo “autônomo” — de modo a evitar jornadas extenuantes e remunerações insuficientes;
  • Apoio para qualificação e transição para ocupações que ofereçam melhores retornos, sobretudo para aqueles que hoje vivem de trabalhos por aplicativo por falta de alternativa;
  • Regulação equilibrada que preserve a inovação e flexibilidade que o modelo de plataforma oferece, mas mitigue os efeitos negativos sobre o trabalhador.

Em resumo

Os dados do IBGE mostram que trabalhar por aplicativo pode levar a uma renda mensal ligeiramente maior, mas essa vantagem se consegue sobretudo trabalhando mais horas — o que reduz o rendimento por hora e impõe jornadas extensas. O modelo exibe ao mesmo tempo flexibilidade e dependência, oportunidade e risco. Para muitos profissionais, pode ser uma opção viável — mas para que se transforme em carreira sustentável, talvez necesse ajustes no próprio modelo e suporte externo que reduza a vulnerabilidade desse grupo.

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