Avaliação Política Indica que Retaliações do Governo a Parlamentares que Votaram Contra a MP 1.303 Produzem Pouco Efeito Prático
A recente tentativa do governo de aplicar um “pente-fino” em sua base aliada, buscando punir deputados e senadores que votaram contra a Medida Provisória 1.303, vem sendo considerada ineficaz por analistas políticos e especialistas em governabilidade. A ação, conduzida por setores do Palácio do Planalto e da coordenação política, pretendia identificar os chamados “traidores” da base, mas, na prática, acabou gerando desconforto interno, resistências regionais e o risco de novas dissidências em futuras votações.
A MP 1.303, que tratava de mudanças nas alíquotas do IOF e tinha impacto direto sobre o equilíbrio fiscal de 2025, foi derrubada após uma série de articulações na Câmara e no Senado. O resultado surpreendeu a equipe econômica e deixou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em uma posição delicada, forçando o governo a reavaliar o planejamento orçamentário para o próximo ano. Em resposta, o núcleo político do governo decidiu revisar cargos, emendas e indicações para tentar restabelecer a disciplina dentro da base.
Entretanto, de acordo com fontes próximas ao Congresso, a estratégia tem surtido pouco efeito. Deputados e senadores que foram apontados como infiéis afirmam que não votaram contra o governo, mas a favor de ajustes técnicos e de maior transparência nos cálculos da MP. Para eles, a ameaça de perda de cargos e recursos regionais é vista como um movimento político desgastante, que tende a ampliar o distanciamento entre o Planalto e seus próprios aliados.
Líderes partidários alertam que a postura de punição, em vez de diálogo, pode fragilizar ainda mais a articulação política do governo em um momento em que novas votações complexas se aproximam. Projetos relacionados à reforma tributária, ao orçamento de 2026 e à recomposição de fundos federais exigirão amplo apoio parlamentar — algo que pode se tornar mais difícil caso a insatisfação se espalhe entre as bancadas.
Especialistas em governabilidade apontam que o modelo de coalizão brasileiro, baseado em acordos regionais e no equilíbrio de forças entre partidos, não se sustenta com medidas de retaliação. Segundo eles, o governo precisa compreender que, diferentemente de momentos passados, as legendas atualmente contam com maior autonomia e suas lideranças locais têm forte influência sobre o voto dos parlamentares.
O chamado “pente-fino” incluiu a análise de emendas parlamentares, nomeações em estatais e ocupações em cargos estratégicos de ministérios e autarquias. Embora o objetivo fosse restabelecer a lealdade da base, o movimento acabou sendo interpretado por parte dos aliados como uma demonstração de insegurança e falta de confiança política. Deputados da base mais moderada afirmam que a tentativa de controle por meio de punições tem efeito contrário ao desejado: cria ressentimentos e alimenta rebeliões silenciosas.
Nos bastidores, líderes governistas reconhecem que o episódio da MP 1.303 foi mal administrado. A falta de comunicação entre a equipe econômica e o Congresso teria contribuído para a derrota, somando-se à dificuldade do governo em manter uma base coesa diante de temas complexos e impopulares. A avaliação é de que faltou articulação antecipada, e o esforço posterior para punir os “traidores” apenas expôs a fragilidade do sistema de apoio.
Analistas políticos ouvidos por veículos de imprensa afirmam que o desgaste poderia ter sido evitado com uma abordagem mais técnica e transparente sobre os impactos da medida. O governo, ao adotar uma narrativa de “traição”, teria transformado uma divergência natural de votos em um conflito político, ampliando a visibilidade de suas falhas internas.
Outro ponto citado por observadores é que o Planalto parece subestimar o peso das bancadas regionais. Em muitos casos, parlamentares votaram contra a MP em resposta direta a pressões de seus estados e prefeitos, preocupados com os efeitos fiscais da medida sobre o repasse de verbas. Ignorar essa realidade, afirmam os analistas, demonstra uma desconexão entre o governo federal e suas próprias bases eleitorais.
Apesar da tentativa de reorganizar a base e demonstrar controle político, a estratégia de punição tem se mostrado limitada. O clima no Congresso é de cautela e desconfiança, e a tendência é de que o governo precise adotar um tom mais conciliador nas próximas semanas para evitar novas derrotas legislativas. A prioridade, segundo interlocutores, será restabelecer a confiança entre os partidos aliados e reforçar a coordenação com as lideranças parlamentares.
Em síntese, o “pente-fino” promovido após a derrota da MP 1.303 evidencia um dilema clássico da política brasileira: a dificuldade de equilibrar fidelidade partidária com autonomia parlamentar. Enquanto o governo tenta impor disciplina, enfrenta o risco de alienar aliados que exigem diálogo e espaço nas decisões estratégicas. A eficácia da medida, portanto, é amplamente questionada — e pode custar caro em votações futuras, em um cenário de crescente tensão política e de incertezas fiscais.