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Criador do Fome Zero alerta: “A Amazônia se tornou o novo epicentro da fome no Brasil”

O economista José Graziano da Silva, idealizador do programa Fome Zero, fez um alerta contundente sobre o avanço da insegurança alimentar no país: segundo ele, a Amazônia hoje concentra o maior foco de fome no Brasil. A declaração reforça a preocupação com a vulnerabilidade social crescente na região, marcada por desigualdade, desestruturação produtiva e abandono de políticas públicas voltadas à alimentação e à agricultura familiar.

Durante uma palestra recente sobre segurança alimentar e desenvolvimento sustentável, Graziano destacou que a fome no Brasil não está mais concentrada apenas nas grandes metrópoles do Nordeste, como ocorria no início dos anos 2000, mas se deslocou para áreas da Amazônia Legal, onde comunidades ribeirinhas, indígenas e rurais enfrentam carência de acesso a alimentos básicos.

“Hoje, o grande foco da fome está na Amazônia. Lá, as pessoas vivem longe dos centros urbanos, sem acesso a transporte, energia ou alimentos. A desnutrição e a insegurança alimentar severa voltaram com força justamente onde o Estado está mais ausente”, afirmou.


Desigualdade e isolamento agravam a situação

A Amazônia Legal — que abrange nove estados brasileiros — tem enfrentado um processo de empobrecimento estrutural, com perda de oportunidades de trabalho, precarização da produção agrícola e falta de infraestrutura. Em muitos municípios, os custos de transporte e distribuição tornam os alimentos básicos duas ou três vezes mais caros do que em outras regiões do país.

Além disso, a dependência de programas sociais aumentou nos últimos anos. Com a descontinuidade de políticas integradas de abastecimento, o acesso à alimentação se tornou ainda mais limitado. O avanço do desmatamento e das atividades ilegais, como garimpo e exploração de madeira, também desestrutura comunidades locais, reduzindo as condições de subsistência.

“A fome na Amazônia é silenciosa. As pessoas estão longe do olhar da mídia e das instituições. É um tipo de miséria que não aparece nas estatísticas urbanas, mas que destrói vidas todos os dias”, lamentou Graziano.


O papel das políticas públicas

O criador do Fome Zero lembrou que o Brasil chegou a sair do Mapa da Fome da ONU em 2014, mas voltou à lista menos de uma década depois, com cerca de 21 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave, segundo estimativas recentes.

Para ele, a reconstrução de políticas públicas consistentes e territoriais é o caminho para reverter esse cenário. Graziano defende uma atuação focada nas especificidades regionais, especialmente na Amazônia, onde a logística, a distância e a diversidade cultural exigem soluções personalizadas.

“Não existe uma política única para todo o país. A Amazônia precisa de programas voltados para a agricultura familiar local, transporte fluvial e conservação ambiental. É possível gerar renda e garantir alimentação sem destruir a floresta”, explicou.


Fome e meio ambiente: desafios entrelaçados

Outro ponto levantado por Graziano é a relação direta entre a degradação ambiental e o agravamento da pobreza. O desmatamento e as mudanças climáticas têm afetado os ciclos produtivos da agricultura de subsistência, reduzindo colheitas e dificultando o plantio em diversas comunidades.

A perda da biodiversidade também diminui a oferta de alimentos tradicionais — como frutas nativas, peixes e castanhas — que sempre foram base da alimentação regional. Essa dependência crescente de produtos industrializados, transportados de longas distâncias, cria um paradoxo: a região mais rica em recursos naturais se torna a que mais sofre com a falta de comida.


Caminhos para reverter o quadro

Especialistas concordam com a análise de Graziano e apontam que a retomada de políticas integradas de combate à fome precisa considerar três pilares principais:

  1. Produção local de alimentos, com incentivo à agricultura familiar e à pesca sustentável;
  2. Infraestrutura e logística de abastecimento, que reduzam o custo de transporte e a dependência de produtos externos;
  3. Educação alimentar e políticas sociais permanentes, que garantam renda e acesso a alimentos saudáveis.

O economista defende também uma nova geração de programas de segurança alimentar, articulados entre os governos federal, estaduais e municipais, com presença efetiva nas comunidades amazônicas.


Conclusão

O alerta de José Graziano da Silva traz à tona uma realidade que muitas vezes permanece invisível: a fome que avança sobre o coração da floresta amazônica. A região, que deveria ser símbolo de abundância e riqueza natural, hoje representa o retrato mais cruel da desigualdade brasileira.

O desafio, segundo ele, é reconstruir um pacto nacional contra a fome, com base em inclusão social, sustentabilidade e presença do Estado. Só assim o país poderá voltar a trilhar o caminho que um dia o tirou do mapa da fome — e garantir que a Amazônia seja, novamente, sinônimo de vida e esperança.

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