Economia

Em busca de consenso tributário, governo flexibiliza em títulos isentos e abre diálogo sobre impostos para apostas e setor financeiro digital

Diante de uma conjuntura econômica desafiadora e da necessidade de avançar com sua agenda fiscal no Congresso, a equipe econômica do governo federal passou a adotar uma postura mais flexível em pontos estratégicos do pacote tributário em tramitação. Em um movimento calculado para evitar derrotas legislativas e garantir a manutenção de parte da arrecadação planejada, o Ministério da Fazenda recuou em propostas anteriores relacionadas às Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA), ao mesmo tempo em que abriu uma frente de negociação para discutir eventuais ajustes nas alíquotas de tributação sobre casas de apostas digitais (as chamadas “bets”) e fintechs.

O gesto de recuo parcial não foi interpretado como sinal de fraqueza, mas sim como estratégia de sobrevivência política dentro de um ambiente legislativo fragmentado e repleto de pressões setoriais. Ao sinalizar disposição para negociar, a Fazenda tenta preservar o núcleo de sua política fiscal e manter viva a promessa de equilíbrio nas contas públicas sem promover cortes de gastos estruturais.

LCI e LCA: manutenção da isenção preserva apelo político e impacto no mercado

Inicialmente, o governo havia cogitado rever as isenções de Imposto de Renda sobre rendimentos obtidos com LCIs e LCAs — instrumentos financeiros amplamente utilizados por investidores brasileiros, especialmente da classe média e alta. A ideia era ampliar a base de arrecadação e reduzir distorções no sistema tributário.

Contudo, a proposta enfrentou forte resistência tanto do setor financeiro quanto do Congresso Nacional. Parlamentares argumentaram que uma mudança repentina poderia desorganizar o mercado de crédito imobiliário e rural, encarecer o financiamento ao setor produtivo e gerar insegurança jurídica entre investidores de perfil conservador. Diante da pressão, o governo optou por recuar, mantendo as isenções e buscando compensações em outras frentes.

O recuo também levou em consideração o momento macroeconômico: com os juros reais ainda elevados e o crédito em desaceleração, mexer em produtos que financiam setores essenciais como habitação e agronegócio poderia ter efeitos negativos na economia real. Assim, a Fazenda decidiu preservar os incentivos e evitar desgaste político adicional.

Setor de apostas digitais entra no radar da arrecadação

Com a manutenção das isenções nas LCIs e LCAs, o governo voltou seus olhos para o setor de apostas esportivas digitais — mercado que tem crescido exponencialmente no Brasil nos últimos anos. Legalizadas recentemente, as chamadas “bets” movimentam bilhões de reais por ano e, até agora, vinham sendo tributadas de forma limitada ou até inexistente em algumas modalidades.

O Ministério da Fazenda propôs um modelo de taxação mais estruturado para essas empresas, incluindo alíquotas específicas sobre o faturamento bruto e regras para retenção de imposto sobre os ganhos dos usuários. A medida foi recebida com resistência por representantes do setor, que alegam que tributos elevados poderiam inviabilizar o modelo de negócio e empurrar operadores para a informalidade.

Para evitar uma rejeição completa no Congresso, a equipe econômica passou a negociar ajustes nas alíquotas propostas. Entre os pontos em discussão estão a possibilidade de reduzir o percentual de imposto cobrado sobre as empresas, flexibilizar regras de recolhimento e oferecer um período de transição para adaptação ao novo regime tributário.

A expectativa do governo é de que, mesmo com uma alíquota reduzida, a expansão do mercado de apostas gere uma base tributária relevante, capaz de contribuir com a arrecadação sem comprometer a competitividade do setor.

Fintechs também entram na mesa de negociações

Outro segmento em discussão é o das fintechs — empresas de tecnologia financeira que oferecem serviços bancários e de crédito de forma digital, muitas vezes em concorrência direta com os bancos tradicionais. A proposta inicial da Fazenda previa uma equiparação gradativa entre a tributação das fintechs e a dos bancos convencionais, especialmente no que diz respeito à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).

Representantes do setor argumentaram que essa equiparação não leva em conta as diferenças estruturais entre fintechs e instituições financeiras tradicionais, sobretudo em termos de capital, risco e margem de lucro. Diante do impasse, o governo aceitou discutir um modelo mais adaptado à realidade das startups financeiras, que considere fatores como porte, faturamento e grau de regulamentação.

Essa sinalização de abertura também atende a uma preocupação mais ampla do governo com a inovação e a inclusão financeira. O crescimento das fintechs tem desempenhado papel importante na bancarização de populações historicamente excluídas, além de estimular a concorrência no setor financeiro.

Desafios de manter a meta fiscal com concessões parciais

As concessões feitas ou em negociação representam um desafio adicional para o cumprimento da meta fiscal do governo, que segue buscando o chamado déficit zero para o próximo exercício orçamentário. Cada renúncia ou flexibilização reduz o potencial arrecadatório do pacote tributário e exige que a equipe econômica busque compensações em outras frentes — seja com novos tributos, revisão de gastos ou aumento da fiscalização.

Ainda assim, a equipe do Ministério da Fazenda, liderada pelo ministro Fernando Haddad, aposta que o diálogo com o Congresso pode gerar um texto equilibrado o suficiente para ser aprovado sem grandes perdas de arrecadação. O objetivo, neste momento, é evitar uma derrota simbólica ou um esvaziamento completo das propostas, como ocorreu com outras medidas anteriores.

Conclusão: pragmatismo fiscal e articulação política como fórmula de avanço

A decisão da Fazenda de recuar em pontos polêmicos e negociar ajustes em propostas estratégicas revela a importância do pragmatismo na condução da política econômica em um ambiente político fragmentado. A manutenção de incentivos para LCIs e LCAs, combinada à abertura para negociação com o setor de apostas e fintechs, mostra que o governo busca construir uma agenda fiscal que seja viável tanto tecnicamente quanto politicamente.

Mais do que insistir em propostas inflexíveis, a equipe econômica aposta agora na costura fina — uma estratégia que envolve concessões, ajustes e escuta ativa de setores envolvidos. O sucesso dessa abordagem dependerá da capacidade do governo de equilibrar expectativas do mercado, do Congresso e da sociedade, sem comprometer os pilares fiscais necessários para a sustentabilidade das contas públicas.

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