Economia

Especialistas enxergam conquista política do Executivo com isenção do IR, mas alertam para riscos fiscais que podem explodir em 2027

A aprovação da nova política de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) é vista por analistas políticos e econômicos como uma vitória estratégica para o governo federal, tanto no campo simbólico quanto no plano prático da política social. No entanto, sob a celebração do Executivo, cresce entre especialistas a percepção de que a medida pode funcionar como uma bomba-relógio fiscal com potencial de gerar desequilíbrios graves a partir de 2027, caso não venha acompanhada de reformas estruturais, compensações de receita ou revisão no modelo tributário como um todo.

A mudança, aprovada pela Câmara dos Deputados e agora sob análise do Senado, amplia significativamente a faixa de isenção, beneficiando milhões de brasileiros que ganham até dois salários mínimos mensais. A proposta foi apresentada como parte do compromisso do governo com justiça fiscal e alívio para as camadas de renda mais baixa. Porém, o custo fiscal da iniciativa e sua sustentabilidade de médio prazo colocam em xeque a viabilidade do modelo atual de arrecadação frente às crescentes despesas obrigatórias da União.

Expansão da faixa isenta: medida popular, mas onerosa

A nova política eleva a isenção do IRPF para rendimentos de até dois salários mínimos — cerca de R$ 2.824 mensais. Isso significa que uma fatia considerável da população deixará de contribuir com o tributo federal sobre a renda. A medida atende a uma antiga demanda de setores da sociedade civil e sindicatos, que apontavam para o descompasso entre o reajuste do salário mínimo e a defasagem acumulada da tabela do imposto.

Segundo cálculos de especialistas do setor público e privado, o impacto fiscal da medida, quando plenamente implementada, poderá ultrapassar os R$ 20 bilhões anuais em perda de arrecadação. Embora o governo tenha anunciado formas de compensação por meio do aumento de tributos indiretos, revisão de benefícios fiscais e combate à sonegação, muitos economistas alertam que tais estratégias podem não ser suficientes para cobrir o rombo de forma sustentável nos próximos anos.

Alívio imediato e riscos futuros

No curto prazo, o alívio para milhões de trabalhadores formais é concreto: menos imposto retido na fonte, maior renda disponível, estímulo ao consumo. Do ponto de vista político, o governo ganha fôlego junto à base eleitoral e reforça o discurso de que está cumprindo suas promessas de campanha. No entanto, o problema está no horizonte fiscal.

Analistas independentes afirmam que, com o teto de gastos já substituído pelo novo arcabouço fiscal, a margem para absorver choques de arrecadação sem comprometer as metas fiscais está cada vez mais estreita. A partir de 2027, quando parte das regras transitórias e compensatórias deixarão de valer ou terão de ser renovadas, o peso da medida poderá recair sobre as contas públicas de forma intensa.

Especialistas temem que, sem aumento de receita real ou reformas adicionais, o governo federal enfrente uma nova rodada de pressão sobre o equilíbrio fiscal, o que pode forçar o retorno de medidas impopulares, como elevação de alíquotas, aumento de endividamento ou cortes em áreas sensíveis.

A reação do mercado e das instituições

O mercado financeiro, embora tenha reagido de forma moderada à aprovação da medida, mantém atenção redobrada sobre os desdobramentos fiscais. Agências de classificação de risco, investidores e instituições multilaterais acompanham com cautela o impacto cumulativo de decisões que afetam a arrecadação federal.

Há consenso entre analistas de que a medida só será sustentável se vier acompanhada de uma agenda robusta de revisão das desonerações, ampliação da base tributária e modernização do sistema de arrecadação, inclusive com a aprovação da reforma do Imposto de Renda de empresas e da tributação sobre os mais ricos — temas que ainda enfrentam forte resistência no Congresso.

A Receita Federal já trabalha em projeções alternativas de arrecadação, levando em conta diferentes cenários para o crescimento econômico e mudanças na estrutura tributária. Técnicos alertam que o volume de recursos perdidos com a ampliação da isenção só poderá ser recuperado de forma estrutural com a ampliação da formalização da economia e a adoção de ferramentas digitais de combate à evasão.

2027: ponto crítico no horizonte fiscal

A partir de 2027, diversas variáveis podem convergir para transformar a política atual de isenção em um desafio para o Tesouro Nacional. O encerramento de medidas compensatórias pontuais, o crescimento contínuo das despesas obrigatórias (como previdência, saúde e educação) e a possível estagnação da arrecadação real colocam o governo diante de um cenário que exigirá decisões difíceis.

Caso não haja espaço político para rever a política de isenção ou encontrar novas fontes de receita, o risco é de deterioração das contas públicas, rebaixamento da credibilidade fiscal e aumento da pressão sobre a dívida pública. Economistas já comparam o atual momento a outros episódios em que medidas populares geraram alívio imediato, mas deixaram passivos que se tornaram insustentáveis anos depois.

O temor é que o novo ciclo político que se inicia após as eleições de 2026 herde uma estrutura fiscal ainda mais fragilizada, com menos margem de manobra e mais pressão social por serviços públicos, investimentos e manutenção de programas sociais.

Governo defende medida como parte de reequilíbrio social

Apesar das críticas e alertas, o governo federal mantém a defesa firme da política de isenção. Segundo integrantes da equipe econômica, o alívio concedido aos trabalhadores de menor renda é uma correção de distorções históricas e está em sintonia com os princípios de progressividade do sistema tributário. A ideia, segundo eles, é desonerar a base da pirâmide e transferir o ônus para os setores de alta renda, por meio de outras propostas que estão em discussão no Congresso, como a taxação de fundos exclusivos e offshores.

A narrativa oficial destaca que não se trata de populismo fiscal, mas de justiça tributária. Para o Executivo, medidas de curto prazo como essa são necessárias para restaurar a confiança da população nas instituições e no sistema arrecadatório, que por anos penalizou justamente quem ganha menos.

Conclusão: entre a conquista e o risco

A ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda é, inegavelmente, uma vitória política do governo — com reflexos positivos junto à opinião pública e ao eleitorado de baixa renda. No entanto, os custos dessa decisão, se não forem neutralizados por reformas profundas e aumento real de arrecadação, podem comprometer a sustentabilidade fiscal do país num futuro próximo.

Especialistas concordam que, sem planejamento de médio e longo prazo, o que hoje é celebrado como conquista social poderá, dentro de poucos anos, tornar-se mais um capítulo de desequilíbrio orçamentário, exigindo correções que, historicamente, recaem sobre a população mais vulnerável.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *