Controle Federal Aponta Falhas Persistentes em Acompanhamento de Isenções Tributárias
Em um novo relatório que reacende o debate sobre transparência fiscal e responsabilidade administrativa, o Tribunal de Contas da União (TCU) alertou que o governo federal não cumpriu integralmente recomendações anteriores sobre a gestão de benefícios tributários. A constatação surge em meio a discussões acaloradas sobre o equilíbrio fiscal do país e o papel dos incentivos concedidos a setores específicos da economia.
A análise do TCU destaca que, apesar dos alertas feitos em anos anteriores, ainda há lacunas significativas na forma como os subsídios fiscais são registrados, monitorados e avaliados. Segundo os auditores da corte, essas falhas dificultam a mensuração dos reais impactos econômicos e sociais dos benefícios concedidos, bem como o controle sobre sua eficácia e necessidade de manutenção.
Benefícios Tributários: Um Universo Bilionário Pouco Monitorado
Os chamados “gastos tributários” – nome técnico dado às renúncias de receitas públicas por meio de isenções, deduções, reduções de alíquota ou regimes especiais – somam centenas de bilhões de reais anualmente. De acordo com estimativas da Receita Federal, esses valores equivalem a um percentual expressivo do Produto Interno Bruto (PIB), o que torna sua gestão um tema estratégico para a política fiscal do país.
Apesar disso, o TCU aponta que o governo ainda não implementou mecanismos eficazes de avaliação periódica desses benefícios. Em diversos casos, programas de incentivos permanecem em vigor por décadas, sem revisão sistemática sobre seus resultados, impactos na arrecadação e retorno social ou produtivo.
Entre os principais problemas identificados estão a ausência de indicadores padronizados de desempenho, a dificuldade de rastreamento do impacto orçamentário de medidas específicas e a falta de integração entre os órgãos responsáveis por conceder e acompanhar os benefícios.
Recomendações Ignoradas: Um Alerta Recorrente
A atual crítica do TCU não é inédita. Em auditorias anteriores, a corte já havia feito recomendações formais ao Executivo para que adotasse um sistema estruturado de governança sobre os gastos tributários, incluindo medidas como:
- Criação de métricas de avaliação de custo-benefício;
- Revisão periódica de isenções existentes;
- Maior transparência nos relatórios fiscais;
- Integração entre ministérios e órgãos de controle.
O relatório mais recente conclui que, até o momento, essas recomendações não foram efetivamente atendidas. Em alguns casos, houve avanços pontuais, mas sem impacto concreto sobre a qualidade do acompanhamento geral dos incentivos fiscais.
A ausência de resposta satisfatória preocupa os auditores, que ressaltam o papel fundamental dos benefícios tributários na estrutura de arrecadação da União. Segundo o TCU, manter regimes fiscais sem reavaliação permanente representa um risco fiscal crescente, sobretudo em um contexto de necessidade de contenção de gastos e ampliação de investimentos públicos.
Pressões Opostas: Entre a Faca do Ajuste e o Clamor Setorial
A crítica do TCU ocorre em meio a uma conjuntura política complexa. De um lado, o governo enfrenta pressão para melhorar as contas públicas, cumprir metas fiscais e garantir equilíbrio orçamentário. De outro, setores empresariais, industriais e até regionais insistem na manutenção — e, por vezes, ampliação — de incentivos fiscais, sob o argumento de que são essenciais para manter empregos e competitividade.
Com essa tensão, as decisões sobre benefícios tributários acabam se tornando não apenas técnicas, mas também políticas. Muitas vezes, medidas que deveriam ser transitórias acabam se tornando permanentes, sob o risco de desorganizar ainda mais o sistema tributário nacional.
O TCU, no entanto, reforça que não se trata de eliminar todos os incentivos, mas de assegurar que eles sejam justificados por dados concretos, metas claras e mecanismos de avaliação. A corte chama atenção para o fato de que, em tempos de escassez de recursos, cada renúncia fiscal precisa ser tratada com o mesmo rigor que um gasto direto no orçamento.
Ministério da Fazenda em Xeque
As observações do tribunal aumentam a pressão sobre o Ministério da Fazenda, responsável por coordenar as políticas fiscais do governo. A equipe econômica vem tentando aprovar uma série de medidas para ampliar a arrecadação, corrigir distorções e reduzir o déficit primário, mas enfrenta obstáculos políticos dentro e fora do Congresso.
Parte da estratégia do ministério para reequilibrar as contas envolve justamente a revisão de renúncias fiscais. Há estudos internos em andamento para reavaliar programas como a desoneração da folha de pagamento em certos setores e regimes especiais no comércio e na indústria. No entanto, a resistência de parlamentares e lobbies empresariais tem dificultado avanços significativos.
O alerta do TCU, nesse contexto, oferece munição técnica para que a Fazenda leve adiante a proposta de revisar benefícios que não demonstraram eficácia econômica comprovada.
Transparência como Caminho
Outro ponto central da crítica do TCU é a falta de clareza e padronização nas informações públicas sobre benefícios tributários. Embora o governo publique anualmente o Demonstrativo de Gastos Tributários, o documento ainda é considerado técnico demais e pouco acessível para o cidadão comum.
O tribunal defende a adoção de modelos mais transparentes, que incluam não apenas o valor das isenções, mas também metas associadas, indicadores de resultado e prazos de validade. Também cobra que essas informações sejam disponibilizadas de forma centralizada e compreensível.
Esse movimento faz parte de uma tendência global em busca de maior controle sobre os chamados “gastos invisíveis” do Estado — aqueles que não aparecem diretamente no orçamento, mas que impactam fortemente a arrecadação e a capacidade de investimento do governo.
Próximos Passos e Monitoramento
Após a publicação do novo relatório, o TCU estabeleceu novos prazos para que o Executivo adote medidas corretivas. O tribunal informou que voltará a analisar o tema em ciclos futuros e poderá, caso não haja progresso, determinar ações mais incisivas — como auditorias específicas em programas de renúncia fiscal de maior impacto.
A expectativa entre os ministros do TCU é de que o governo federal avance na criação de uma estrutura permanente de gestão e avaliação de benefícios fiscais, incluindo uma instância técnica multissetorial, com participação do Tesouro Nacional, Receita Federal e órgãos de planejamento.
Enquanto isso, o debate sobre os limites e deveres do Estado no uso de incentivos fiscais permanece no centro das discussões sobre a política econômica do país.
Conclusão
O relatório do Tribunal de Contas da União traz à tona um problema estrutural do sistema fiscal brasileiro: a dificuldade histórica em acompanhar e avaliar o impacto de benefícios tributários que, apesar de representarem renúncias significativas de receita, são mantidos sem critérios claros ou avaliação de resultados.
Ao expor que recomendações anteriores não foram cumpridas, o TCU coloca o governo federal diante de um dilema que vai além da técnica contábil: trata-se de uma questão de transparência, eficiência na aplicação dos recursos públicos e justiça tributária.
No momento em que o país discute como financiar políticas públicas essenciais sem comprometer a estabilidade fiscal, a cobrança por uma gestão mais criteriosa dos gastos indiretos torna-se ainda mais urgente. A sociedade — e o erário — agradecem.