Aliança com Davi Alcolumbre é estratégia do governo para conter avanço de proposta de perdão a Bolsonaro
Em uma articulação política cuidadosamente calculada, o governo federal tem apostado na influência do senador Davi Alcolumbre como peça-chave para bloquear o avanço de propostas que visam conceder anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a seus aliados envolvidos em investigações relacionadas aos eventos de 8 de janeiro de 2023 e a outros episódios de afronta institucional. A movimentação ocorre em meio a um cenário político sensível, em que a polarização ainda dita boa parte das decisões no Congresso Nacional.
Ex-presidente do Senado e atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Alcolumbre ocupa uma posição estratégica dentro da estrutura legislativa do país. A CCJ é uma das comissões mais relevantes do Senado, responsável por analisar a admissibilidade de projetos que envolvem mudanças constitucionais, propostas de anistia, revisões de leis penais e matérias de grande impacto institucional. Ter o controle político da CCJ é, portanto, fundamental para barrar iniciativas que possam contrariar os interesses do governo ou tensionar ainda mais o ambiente institucional.
De acordo com fontes próximas ao Palácio do Planalto, o senador do Amapá tem sido consultado frequentemente sobre o tema, e sua postura é considerada confiável para o Executivo. Alcolumbre já teria sinalizado que não pretende colocar em pauta, ao menos no curto prazo, qualquer proposta de anistia que trate especificamente dos atos antidemocráticos protagonizados por bolsonaristas radicais. A expectativa é que, com seu comando firme da comissão, essas tentativas de articulação legislativa sejam neutralizadas antes mesmo de ganharem fôlego político.
A estratégia do governo, porém, não se resume a evitar a tramitação de projetos. Também há um esforço em esvaziar politicamente o discurso em defesa da anistia, argumentando que qualquer tentativa de perdão coletivo enfraqueceria o papel das instituições e poderia ser interpretada como um retrocesso no enfrentamento a atos que atentam contra a ordem democrática. A presença de Alcolumbre como aliado reforça esse discurso institucional e sinaliza que o Senado, ao menos em sua cúpula, está alinhado com a necessidade de preservar a responsabilização dos envolvidos.
Nos bastidores, parlamentares bolsonaristas seguem pressionando por algum tipo de anistia, seja por meio de projetos de lei, seja por tentativas de articulação com a bancada evangélica, setores do agronegócio ou mesmo parte das Forças Armadas. A proposta mais mencionada seria uma anistia ampla, que contemplaria manifestantes, organizadores e até figuras com mandatos que foram alvos de processos judiciais nos últimos anos. Para esse grupo, a anistia seria uma forma de “pacificar o país” e garantir que divergências políticas não resultem em penalizações judiciais.
A cúpula do governo, no entanto, enxerga esse discurso como uma tentativa de esvaziar as consequências jurídicas dos atos golpistas, e por isso trata o tema com máxima cautela. A aposta em Davi Alcolumbre é vista como um seguro institucional — um interlocutor respeitado, com trânsito entre diversas correntes políticas e capacidade de barrar iniciativas indesejadas sem gerar rupturas públicas.
Além da CCJ, Alcolumbre também exerce influência em outras frentes do Senado, atuando como uma espécie de “articulador silencioso” dentro da base do governo. Sua relação com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e com lideranças partidárias o coloca em posição privilegiada para manter o equilíbrio entre o Legislativo e o Judiciário, especialmente em temas sensíveis como esse.
A aproximação entre o governo e Alcolumbre também está relacionada ao momento político atual, em que o Planalto busca reforçar alianças com figuras do centro político para neutralizar pautas da oposição e garantir governabilidade. Ao se consolidar como uma das principais âncoras da estabilidade institucional no Senado, o senador amplia sua relevância nas negociações com o Executivo e ganha capital político para influenciar futuras decisões — inclusive na formação de chapas majoritárias e na indicação de nomes para o Judiciário e agências reguladoras.
Enquanto isso, a base bolsonarista tenta manter viva a pauta da anistia por meio de atos públicos, manifestações em redes sociais e discursos inflamados no plenário. A recente aproximação de governadores conservadores com líderes religiosos também vem sendo utilizada para pressionar o Congresso a debater a proposta. No entanto, a falta de apoio nas comissões mais importantes do Senado dificulta qualquer avanço concreto.
A expectativa dentro do governo é que, com o tempo, a própria opinião pública passe a enxergar a anistia como uma medida inviável do ponto de vista democrático. A atuação discreta, mas eficaz, de Alcolumbre é considerada essencial para que essa percepção se mantenha e para que o Congresso resista a pressões externas e internas que tentam relativizar a gravidade dos atos praticados por apoiadores do ex-presidente.
Com isso, o governo centraliza sua confiança na capacidade política de Alcolumbre, usando sua posição na CCJ como uma trincheira institucional para impedir o avanço de pautas que possam fragilizar o enfrentamento aos ataques à democracia. O cenário permanece tenso, mas a estratégia é clara: conter, por dentro do Congresso, qualquer tentativa de reescrever o passado recente por meio de perdão legislativo.