Politica

Senador articula proposta própria de perdão político e busca diferenciar Senado de versão construída por deputados

O cenário político em torno da proposta de anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 2023 ganhou uma nova camada de complexidade após o senador Davi Alcolumbre defender publicamente a construção de um texto alternativo àquele em discussão na Câmara dos Deputados. A iniciativa revela não apenas divergências sobre o conteúdo da proposta, mas também uma disputa silenciosa por protagonismo entre as duas Casas do Legislativo — e sinaliza que o tema, longe de estar pacificado, ainda será palco de embates técnicos e políticos intensos.

A anistia, que tem sido defendida por parte da bancada conservadora como um gesto necessário de pacificação nacional, divide opiniões no Congresso e no meio jurídico. Alcolumbre, ex-presidente do Senado e atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), busca equilibrar interesses institucionais e preservar a imagem da Casa como moderadora, apresentando uma proposta que, segundo ele, traria mais responsabilidade e critério à discussão.


O que está em jogo: versões em disputa

O texto original em tramitação na Câmara dos Deputados foi construído com apoio de parlamentares da base bolsonarista e prevê o perdão legal a investigados e condenados que participaram de manifestações consideradas antidemocráticas, desde que não tenham cometido atos violentos ou financiado diretamente as ações criminosas. A proposta inclui dispositivos que excluem da anistia autores de depredações, invasões e agressões, mas ainda assim é alvo de críticas por seu escopo considerado amplo.

A versão que Alcolumbre defende, segundo interlocutores no Senado, seria mais restritiva. O senador tem argumentado que é preciso evitar que o perdão se transforme em sinal de conivência com ataques às instituições e quer incluir critérios mais rígidos para definir quem poderá ser beneficiado. O objetivo seria garantir que apenas manifestantes de baixa periculosidade, envolvidos de forma colateral, possam ser alcançados pelo perdão, evitando qualquer brecha que beneficie lideranças políticas ou militares diretamente envolvidas.


Estratégia do Senado: protagonismo institucional e cautela

A fala de Alcolumbre, embora diplomática, carrega um recado claro: o Senado não aceitará apenas homologar as decisões da Câmara. A tentativa de construção de um novo texto representa uma movimentação política para recolocar a Casa Alta no centro das decisões mais sensíveis do país. O senador tem usado sua posição na CCJ para dialogar com diferentes bancadas e construir um ambiente político favorável à discussão de uma proposta alternativa, menos suscetível a contestações judiciais.

O gesto também tem peso simbólico. Em um momento em que o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República acompanham de perto o andamento da proposta de anistia, o Senado procura demonstrar responsabilidade institucional e cautela jurídica. Alcolumbre vem destacando que uma proposta de anistia não pode ser confundida com impunidade, nem ser usada como escudo político para grupos que atentaram contra o funcionamento das instituições.


Reações no Congresso: tensão e reposicionamento

A sinalização de Alcolumbre já provocou movimentação entre líderes partidários. Enquanto deputados ligados ao bolsonarismo reagiram com desconfiança, temendo que o novo texto represente uma “desidratação” da proposta original, líderes do centro e da esquerda no Senado viram com bons olhos a tentativa de refinar os critérios de concessão do perdão.

Há, porém, um cálculo político envolvido: parte dos senadores teme o desgaste de apoiar um projeto que possa ser interpretado como complacência com crimes contra o Estado Democrático de Direito. O texto alternativo, mais moderado, pode funcionar como uma espécie de “válvula de escape” para aprovar um gesto de reconciliação nacional sem comprometer a imagem institucional do Congresso diante da sociedade e das cortes superiores.


STF observa com atenção

Embora o Judiciário não participe diretamente da elaboração do projeto de anistia, ministros do Supremo Tribunal Federal têm acompanhado atentamente as movimentações do Congresso. Há receio, dentro da Corte, de que um texto muito abrangente possa anular condenações já proferidas ou interferir em investigações em andamento.

Nesse contexto, a articulação de um texto mais restritivo — como o defendido por Alcolumbre — é vista com certo alívio por alguns integrantes do STF, que têm alertado, mesmo que informalmente, para os riscos de uma anistia ampla, irrestrita e potencialmente inconstitucional.


Proposta alternativa: o que pode mudar

Entre os pontos que devem constar na proposta que Alcolumbre pretende impulsionar, destacam-se:

  • Limitação objetiva dos crimes anistiáveis, excluindo com clareza todos os que envolvam violência, depredação ou financiamento de atos ilícitos;
  • Exclusão automática de agentes públicos e autoridades com mandato eletivo, como forma de evitar que o perdão seja utilizado como escudo político;
  • Previsão de mecanismos de revisão judicial, que permitam ao STF ou ao Ministério Público contestar, caso surjam indícios de que o perdão esteja sendo aplicado de forma abusiva;
  • Cláusula de compromisso democrático, vinculando o benefício da anistia ao reconhecimento da legitimidade das eleições e das instituições republicanas.

Esses dispositivos visam tornar a anistia uma medida de reconciliação com responsabilidade — e não um salvo-conduto para lideranças antidemocráticas.


Conclusão: o Senado como freio de contenção política

Ao propor um novo texto para a anistia, Davi Alcolumbre tenta resgatar o papel histórico do Senado como Casa revisora e moderadora das tensões políticas. Sua movimentação não é apenas técnica: ela representa uma tentativa de equilibrar as forças entre as pressões populares, as expectativas do Congresso e os limites constitucionais observados pelo Judiciário.

O futuro da proposta dependerá da habilidade política de Alcolumbre em costurar um consenso que preserve o espírito da pacificação, mas imponha limites claros à concessão de perdões. Se bem-sucedido, o Senado poderá não apenas reescrever os termos da anistia, mas também reafirmar sua relevância institucional num momento crucial da história democrática recente do país.

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