Opinião: Perdão político pode impulsionar governador paulista e projetar prefeito da capital como nome competitivo para a sucessão presidencial
A discussão sobre uma eventual anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 2023 não se limita ao debate jurídico ou institucional. Seus desdobramentos têm grande impacto sobre o xadrez político nacional, especialmente no campo da direita. Se aprovada, essa medida pode abrir uma nova etapa na reconfiguração do conservadorismo brasileiro — e, dentro desse cenário, dois nomes despontam com força renovada: o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes.
Mais do que um gesto de pacificação, a anistia pode ser interpretada como um marco político que sinaliza o início de uma transição de lideranças no campo da direita, após o enfraquecimento de Jair Bolsonaro em virtude de processos judiciais que ameaçam sua elegibilidade. Com o ex-presidente cada vez mais pressionado por decisões do Supremo Tribunal Federal e com o foco de sua defesa voltado à redução de danos judiciais, abre-se espaço para que aliados diretos ou ideologicamente próximos assumam protagonismo.
Nesse contexto, a eventual anistia a manifestantes e envolvidos de menor escalão pode servir como elemento de distensão e também como estratégia de reposicionamento político.
Tarcísio de Freitas: a liderança institucionalizada
Com formação técnica, imagem moderada e experiência recente como ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas já é visto como herdeiro natural de parte do capital político bolsonarista. No entanto, até aqui, sua trajetória como governador tem se pautado por certo distanciamento de discursos radicais e por um esforço de aproximação com setores empresariais, institucionais e centristas.
A anistia, se aprovada com sua anuência ou apoio indireto, pode funcionar como ponte simbólica entre o bolsonarismo raiz e uma direita mais pragmática e institucionalizada — papel que Tarcísio tem desempenhado com habilidade. Ao mesmo tempo em que não nega seu alinhamento com valores conservadores, o governador evita embates frontais com o Judiciário e atua com foco na governabilidade.
Sua ascensão se fortalece, portanto, diante de um cenário em que o ex-presidente perde espaço formal, e a base conservadora busca um nome competitivo, viável eleitoralmente e com capacidade de diálogo institucional. Tarcísio, nesse tabuleiro, representa a continuidade com adaptação: o mesmo eleitorado, mas com nova roupagem.
Ricardo Nunes: o aliado silencioso que pode crescer
Menos exposto do que outras lideranças nacionais, o prefeito de São Paulo tem construído seu capital político de maneira discreta, mas estratégica. Herdando o cargo após a morte de Bruno Covas, Nunes consolidou alianças importantes com setores da direita tradicional, do bolsonarismo e de bancadas influentes no Congresso.
Caso a anistia avance e represente um gesto simbólico de reaproximação da direita com as instituições, Nunes pode se beneficiar diretamente. Sua campanha pela reeleição em 2024, já em curso, tende a ganhar impulso com o apoio de nomes conservadores influentes e da própria máquina estadual paulista, sob comando de Tarcísio.
O prefeito da maior cidade do país não é, até agora, nome nacionalmente conhecido para uma disputa presidencial. No entanto, em um cenário de reconfiguração e ausência de lideranças tradicionais, Nunes pode se tornar figura de projeção, sobretudo se conseguir ser reeleito com folga e manter base consolidada até 2026. A anistia, neste caso, seria mais um fator de legitimação de sua conexão com a base conservadora, sem os riscos de associação direta a atos extremistas.
A anistia como elemento de rearranjo
No plano político, a anistia pode representar mais do que um gesto de clemência: ela pode marcar o encerramento simbólico do ciclo Bolsonaro, com o perdão institucionalizado servindo como ponto de virada. Nesse novo ciclo, figuras como Tarcísio e Nunes ganham terreno não apenas pela ausência do ex-presidente, mas pela capacidade de incorporar parte de seu eleitorado sem carregar o ônus judicial e retórico que o bolsonarismo acumulou.
É importante notar, no entanto, que a anistia em debate no Congresso tende a ser parcial — dirigida, preferencialmente, a pessoas que participaram dos atos sem envolvimento direto em ações violentas ou golpistas. Ainda assim, o simples fato de que o tema está sendo discutido já tem impacto sobre o ambiente político. Ele sinaliza uma tentativa de reinserção do discurso conservador no campo institucional, sem confronto direto com o Judiciário.
Essa reconciliação, mesmo que limitada, ajuda a liberar figuras como Tarcísio e Nunes para movimentos políticos mais amplos — e, acima de tudo, viáveis eleitoralmente.
Reações internas e cálculo eleitoral
A movimentação a favor da anistia também divide o campo conservador. Enquanto setores mais radicais exigem uma medida ampla e irrestrita, figuras como Tarcísio preferem o caminho da moderação, apostando na seletividade como forma de evitar novos embates com o STF e com a opinião pública.
Esse equilíbrio é delicado. O eleitorado conservador mais engajado tende a pressionar por soluções rápidas e definitivas, enquanto o eleitor de centro — crucial para vencer eleições em estados como São Paulo — rejeita qualquer associação com discursos antidemocráticos. Nunes e Tarcísio, até aqui, têm conseguido navegar entre esses polos, mantendo o discurso firme nos valores, mas evitando o confronto institucional.
A eventual aprovação da anistia reforça essa estratégia: serve como gesto para a base sem comprometer os avanços institucionais que os dois líderes desejam manter como bandeira.
Conclusão: um novo ciclo à direita
O debate sobre a anistia projeta seus efeitos muito além dos tribunais. Em termos políticos, funciona como catalisador de uma possível transição de liderança na direita brasileira. Tarcísio de Freitas e Ricardo Nunes, cada um a seu modo, representam esse novo momento: menos marcado por rupturas e mais voltado à consolidação institucional.
Se essa leitura se confirmar, a anistia pode ser lembrada no futuro não apenas como um instrumento jurídico, mas como a medida que consolidou uma virada política no conservadorismo brasileiro — da militância de confronto para a disputa eleitoral com viabilidade e governabilidade.
Com Bolsonaro fragilizado, a direita busca um novo nome. E talvez ele não esteja em Brasília — mas em São Paulo.