Inclusão de carvão em leilão acende alerta e põe em xeque discurso da transição energética
O anúncio de que o governo federal incluiu usinas a carvão mineral no próximo leilão de energia causou desconforto entre especialistas, ambientalistas e até mesmo integrantes do setor elétrico. A medida, vista por muitos como uma contradição diante da promessa de acelerar a transição para uma matriz mais limpa, reacende o debate sobre o peso da política e das pressões regionais na formulação de decisões estratégicas para o futuro energético do país.
O contraste com o discurso oficial
Desde o início do mandato, a atual gestão tem buscado reforçar a imagem de que o Brasil é um líder global em energia renovável, com destaque para a hidroeletricidade, a biomassa e o avanço da solar e da eólica. O compromisso com a redução das emissões de gases de efeito estufa foi reiterado em fóruns internacionais, inclusive como parte da estratégia de reposicionar o país na diplomacia climática.
A decisão de manter o carvão na matriz, no entanto, gera desalinhamento com o discurso oficial, já que esse é considerado um dos combustíveis fósseis mais poluentes do planeta. Críticos apontam que a medida pode enfraquecer a credibilidade do Brasil nas negociações climáticas globais e sinalizar contradições internas na condução da política energética.
Pressões políticas e regionais
Um dos principais fatores por trás da inclusão do carvão é a pressão de estados produtores, em especial Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que concentram as maiores reservas do mineral e onde a atividade ainda sustenta empregos e arrecadação. Prefeitos, governadores e bancadas parlamentares dessas regiões vêm atuando de forma intensa para garantir incentivos ao setor e evitar o fechamento de usinas que dependem desse combustível.
O governo, por sua vez, tenta equilibrar interesses: de um lado, o compromisso internacional com a agenda verde; de outro, a necessidade de preservar empregos locais e evitar desgastes políticos em regiões onde o carvão ainda tem relevância econômica.
Impactos ambientais e econômicos
Do ponto de vista técnico, especialistas ressaltam que insistir no carvão representa um retrocesso ambiental. Além de ser altamente emissor de gases de efeito estufa, o uso do mineral gera impactos negativos na qualidade do ar, no solo e na água das áreas próximas às minas. A justificativa de que essas usinas podem oferecer segurança energética em períodos de crise hídrica é vista como frágil, já que as alternativas renováveis — como solar e eólica — vêm apresentando custos cada vez menores e maior confiabilidade.
Por outro lado, há quem defenda que a exclusão imediata do carvão poderia gerar vazio de oferta e encarecer tarifas em curto prazo, já que parte da infraestrutura ainda depende desse insumo. A questão, portanto, envolve não apenas a agenda ambiental, mas também o equilíbrio econômico e social da transição.
O desafio da coerência
A decisão do governo expõe o dilema central da transição energética: como conciliar a urgência climática com os custos políticos e sociais de desativar atividades poluentes que ainda têm peso regional. O Brasil, que poderia reforçar sua imagem de potência verde, corre o risco de ser visto como hesitante e contraditório ao manter investimentos em uma fonte considerada ultrapassada no cenário global.
Para especialistas, a chave está em estabelecer um plano de transição justo, que apoie trabalhadores e municípios dependentes do carvão, enquanto acelera o investimento em fontes renováveis. Sem isso, o país pode perder o momento histórico de liderar a corrida por uma matriz energética limpa e resiliente.