Defensora denuncia alvo de cortes: comunidades ribeirinhas, quilombolas e povos indígenas estavam na mira, aponta CPMI
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) foi palco de uma denúncia grave que expõe uma realidade frequentemente invisibilizada nos corredores do poder: o direcionamento de cortes e exclusões de políticas públicas voltadas especificamente para grupos historicamente marginalizados, como povos indígenas, comunidades quilombolas e populações ribeirinhas. Durante depoimento à comissão, uma defensora pública federal destacou com veemência que esses grupos não apenas foram atingidos por medidas de austeridade, mas também, em muitos casos, pareciam ser deliberadamente visados por decisões políticas recentes.
A declaração não surgiu de forma isolada. Ela vem acompanhada de documentos, levantamentos e relatórios que compõem um dossiê elaborado ao longo de meses por instituições de defesa dos direitos humanos e órgãos independentes de fiscalização. Segundo o material apresentado, programas de apoio à saúde indígena, iniciativas de incentivo à agricultura familiar quilombola e projetos de saneamento em regiões ribeirinhas sofreram cortes orçamentários sucessivos, com justificativas técnicas que, para os especialistas, não se sustentam diante da análise do impacto social.
Entre os principais pontos abordados pela defensora, está o desmonte de políticas públicas voltadas à proteção territorial e ambiental das terras indígenas e quilombolas. A retirada de recursos de órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e de programas federais ligados à titulação de territórios tradicionais foi descrita como “uma política de erosão silenciosa dos direitos constitucionais desses povos”.
Além disso, foi apontado que a falta de manutenção e o sucateamento de estruturas de saúde em áreas remotas onde vivem comunidades ribeirinhas resultaram em um agravamento dos indicadores de mortalidade infantil, desnutrição e doenças evitáveis. O relato da defensora trouxe à tona exemplos concretos de populações que deixaram de receber atendimento médico básico por ausência de transporte fluvial ou de profissionais alocados, devido à suspensão de contratos com empresas terceirizadas e cortes nos repasses.
No caso das comunidades quilombolas, o impacto foi igualmente severo. Os cortes afetaram principalmente programas de acesso à água potável, energia elétrica e infraestrutura escolar. O que se viu, conforme apontado na investigação, foi uma espécie de abandono institucional, que escancarou as desigualdades raciais e territoriais que ainda marcam o país. Para líderes comunitários ouvidos pela CPMI, o retrocesso nos direitos básicos conquistados nas últimas décadas representa uma ameaça direta à sobrevivência física e cultural desses povos.
Outro ponto sensível tratado durante a sessão da CPMI foi a ausência de consulta prévia às comunidades afetadas, em desrespeito à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. A defensora lembrou que as decisões de cortes foram tomadas de maneira verticalizada, sem qualquer processo de escuta das populações impactadas, o que configura, segundo especialistas, uma violação clara dos princípios do consentimento livre, prévio e informado.
A comissão agora se debruça sobre a análise desses dados, buscando compreender a cadeia de decisões e a responsabilidade dos gestores públicos envolvidos nos cortes. Parlamentares de diferentes espectros políticos concordaram na necessidade de uma apuração minuciosa, com a possibilidade de responsabilização jurídica em casos onde ficar comprovada a intenção deliberada de prejudicar segmentos específicos da população.
Movimentos sociais e entidades ligadas aos direitos humanos acompanham com atenção os desdobramentos da investigação. Representantes das comunidades afetadas, por sua vez, seguem cobrando não apenas a reposição dos recursos perdidos, mas também reparações pelos danos causados. A defensora encerrou seu depoimento com um alerta: “O que está em jogo não é apenas orçamento — é a dignidade de povos inteiros que vivem à margem de um Estado que, por obrigação constitucional, deveria protegê-los.”
A CPMI segue com previsão de novas oitivas nas próximas semanas, com o objetivo de ampliar o escopo da investigação e mapear todas as instâncias envolvidas nesse possível direcionamento de políticas excludentes. A expectativa é de que as conclusões da comissão possam dar origem a recomendações legislativas e ações judiciais que evitem que esse tipo de situação volte a ocorrer.