Clima político favorável impulsiona estratégia do Executivo para avanço da regulação sobre gigantes digitais
O governo federal identificou no atual cenário político uma janela de oportunidade para acelerar a tramitação de propostas que visam regulamentar as chamadas big techs — as grandes empresas de tecnologia que operam plataformas digitais com vasto alcance sobre a sociedade e a economia. A percepção de que há um “timing político” adequado motivou uma mobilização mais incisiva do Executivo para avançar no debate sobre o papel dessas empresas no Brasil, especialmente em temas como responsabilidade sobre conteúdo, transparência de algoritmos, poder de mercado e proteção de dados.
De acordo com fontes da articulação política no Palácio do Planalto, a convergência de fatores recentes — como a intensificação de discursos sobre desinformação, pressão de entidades da sociedade civil, envolvimento do Judiciário em temas ligados ao ambiente digital e o aumento de tensões entre governos e plataformas — criou um ambiente propício para que o projeto de regulação das big techs ganhe tração no Congresso Nacional. A estratégia do governo é aproveitar esse momento de sensibilidade para defender a urgência de um marco legal mais sólido e adaptado aos novos desafios da era digital.
No centro da proposta está a criação de um conjunto de regras que definam claramente as responsabilidades das plataformas digitais em relação ao conteúdo que circula em seus ambientes, incluindo mecanismos mais eficazes para combater a disseminação de notícias falsas, discurso de ódio e práticas comerciais desleais. Além disso, o governo quer ampliar a transparência na forma como essas empresas operam — com foco nos algoritmos que determinam o que os usuários veem — e garantir maior proteção aos dados dos cidadãos.
A defesa da regulação não é nova, mas ganha novo impulso com a avaliação de que o momento político é mais receptivo. A polarização política, que historicamente dificultou o debate sobre o tema, agora cede lugar a uma preocupação mais transversal com os efeitos concretos do poder das plataformas sobre o debate público, a segurança da informação e até mesmo a concorrência no mercado. Parlamentares de diferentes espectros ideológicos têm demonstrado disposição para discutir o tema, ainda que discordem sobre os meios.
Na visão do governo, a ausência de uma regulação moderna tem permitido a atuação quase irrestrita dessas empresas em território nacional, sem que haja contrapartidas proporcionais à sua influência. O argumento é de que gigantes da tecnologia se tornaram mediadores centrais da informação, do comércio e da opinião pública, mas não estão submetidos a exigências de responsabilidade comparáveis às impostas a veículos de comunicação tradicionais ou empresas de outros setores econômicos.
Com esse pano de fundo, o Executivo articula um novo esforço para aprovar um texto legal que possa ser implementado com eficácia, evitando tanto a inércia quanto a adoção de normas inócuas. A proposta deve incluir a criação de uma autoridade reguladora específica, ou a atribuição de novas competências a órgãos já existentes, como a Anatel ou o Cade, além de prever sanções claras para condutas abusivas por parte das plataformas.
A leitura política no Planalto é de que o contexto internacional também favorece a iniciativa. Países como União Europeia, Canadá e Austrália já avançaram na regulação das big techs, criando modelos que têm servido de inspiração para o debate brasileiro. A comparação com outras democracias reforça o argumento de que a regulação não se trata de censura, mas de atualização legal frente a uma nova realidade digital que mudou a forma como as sociedades consomem informação, interagem e fazem negócios.
A proposta também conta com apoio de setores da sociedade civil organizada, especialmente entidades voltadas à defesa dos direitos digitais, da liberdade de expressão responsável e da proteção da privacidade. Essas organizações têm cobrado há anos uma regulação que assegure maior equilíbrio nas relações entre plataformas, usuários e instituições, e consideram que o atual ambiente político é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada.
Ainda assim, o governo sabe que a tramitação de uma matéria como essa exigirá habilidade política, capacidade de diálogo e resistência a pressões. As big techs têm forte atuação nos bastidores do Congresso, com equipes de lobby bem estruturadas e presença constante em audiências públicas e eventos institucionais. A resistência tende a se concentrar em pontos sensíveis como a responsabilização por conteúdo de terceiros e o alcance das medidas de moderação.
Além disso, setores que atuam na economia digital — como startups, influenciadores e pequenos produtores de conteúdo — também têm interesse no tema e pedem que a regulação não seja excessivamente concentradora ou burocrática. O governo pretende levar essas preocupações em consideração para evitar que a proposta seja percebida como um obstáculo à inovação ou à liberdade de expressão.
Nos bastidores, ministros e líderes governistas estão sendo orientados a reforçar o discurso de que a regulação é necessária para garantir um ambiente digital mais seguro, ético e competitivo. A ideia é mostrar que o projeto não busca controlar o que as pessoas dizem, mas criar regras claras para empresas que lucram com a dinâmica das redes e têm poder desproporcional sobre a circulação de informações e produtos no país.
O avanço da proposta dependerá do equilíbrio entre a pressão política, a mobilização da sociedade e a disposição do Congresso em tratar do tema com profundidade. Com o atual “timing político”, o governo acredita que chegou o momento de transformar anos de debate em um marco legal que coloque o Brasil na vanguarda da regulação digital no mundo.