Politica

Para fugir da cadeia, Bolsonaro assume fama de covarde e desequilibrado

Jair Bolsonaro, que construiu sua trajetória política com base em discursos inflamados, defesa da força bruta e cultos à valentia, vive agora um paradoxo desconcertante. Pressionado por investigações que apontam para seu envolvimento em tentativas de subverter a ordem democrática, o ex-presidente adota uma nova postura: a do homem acuado, frágil e até mentalmente instável. Essa guinada não é casual. É estratégica.

Bolsonaro, que sempre fez questão de se apresentar como um “mito” infalível, vê-se hoje em uma situação onde admitir fraqueza pode ser sua única defesa eficaz contra o cerco judicial que se aperta. Em depoimentos, seus aliados têm pintado o ex-presidente como alguém confuso, desorganizado e até mesmo alheio ao que se passava ao seu redor durante os dias que antecederam e sucederam o 8 de janeiro. O objetivo é claro: afastar dele a imagem de líder racional e articulador de um plano golpista.

A contradição salta aos olhos. O mesmo Bolsonaro que dizia que “só Deus” o tiraria da cadeira presidencial agora se escora na alegação de que não sabia o que estava acontecendo. O homem que afirmou ter um “exército” que o seguiria até o fim tenta convencer a Justiça de que era apenas uma figura decorativa enquanto seus auxiliares planejavam ataques às instituições democráticas. E o líder que se vangloriava de não ter medo de nada — nem de morrer, nem de ser preso — agora faz de tudo para parecer emocionalmente incapaz de responder por seus atos.

Essa estratégia tem nome: é a velha tática da vitimização, usada por muitos políticos que, ao verem-se acuados, trocam o papel de protagonistas por coadjuvantes desnorteados. Bolsonaro parece aceitar carregar a pecha de covarde e até de desequilibrado, contanto que isso o salve de uma eventual condenação. É uma forma de negar dolo, desqualificar provas e desmontar a narrativa de que ele foi o comandante de uma tentativa de golpe.

Nos bastidores, aliados buscam reforçar essa nova imagem. A ideia é mostrar que, longe de ser um estrategista frio, Bolsonaro seria um homem fragilizado, cercado por assessores que tomavam decisões à revelia dele. Relatos dão conta de um presidente desinteressado, que passava horas isolado no Palácio da Alvorada, alheio às conversas e conspirações que borbulhavam em sua própria equipe. Alguns chegam a sugerir que seu estado emocional o tornava incapaz de liderar qualquer tipo de articulação golpista.

Mas essa narrativa, ainda que possa funcionar do ponto de vista jurídico, tem um custo político alto. A base mais fiel de Bolsonaro, que o enxerga como um líder destemido, pode ver com desconfiança essa repentina fragilidade. Para os que sempre o seguiram por sua imagem de firmeza e autoridade, aceitar que ele estava “desnorteado” ou “confuso” é quase uma traição. É o risco que ele corre: salvar-se da cadeia, mas perder de vez a aura de mito.

No fim das contas, Bolsonaro parece ter feito uma escolha calculada: prefere ser visto como um covarde do que como um criminoso. Aceita a humilhação pública para escapar da punição judicial. Abandona a retórica do guerreiro para vestir o figurino do coitado. Resta saber se a Justiça — e seus apoiadores — vão comprar esse novo personagem.

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