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Seria isso um afastamento do conceito de excepcionalismo americano?

A posição dos Estados Unidos no cenário global, historicamente marcada por sua singularidade econômica, política e militar, começa a ser questionada em meio a transformações nas dinâmicas globais e tensões comerciais crescentes. A chamada guerra tarifária se consolidou como um dos elementos mais evidentes dessa mudança de paradigma.

Uma trajetória de liderança a um alto custo

Por décadas, os EUA foram vistos como um exemplo de desempenho e estabilidade. No entanto, essa condição de destaque teve um custo elevado. Entre 1990 e 2024, os gastos com defesa nacional ultrapassaram os US$ 20 trilhões — valor que supera em muito o total investido pela Europa Ocidental no mesmo período, cerca de US$ 6 trilhões. Esse tipo de gasto robusto é uma das causas do aumento da dívida pública americana.

Os números por trás do excepcionalismo

Dados do relatório Global Outlook, do Fundo Monetário Internacional (FMI), reforçam a diferença entre os EUA e seus pares. O Produto Interno Bruto (PIB) per capita americano está estimado em US$ 86.601, o dobro do registrado na Europa (US$ 43.353). Até mesmo o estado mais pobre dos EUA, o Mississippi, supera economias como as do Reino Unido e da França, ficando próximo à da Alemanha.

Além disso, o mercado acionário dos Estados Unidos representa atualmente metade do total global. No início dos anos 2010, esse número era de 30%, evidenciando um movimento de concentração sem precedentes. Como consequência, os portfólios globais estão altamente expostos a ativos americanos.

Quando o refúgio se torna o epicentro da incerteza

Esse fenômeno é explicado pelo conceito de Flight to Quality, ou “voo para a qualidade”, que descreve o comportamento de investidores buscando ativos mais seguros em tempos de crise. Contudo, o atual cenário impõe uma nova pergunta: o que acontece quando o próprio porto-seguro se torna o centro da instabilidade?

Inspirando-se na célebre máxima do escândalo Watergate — “Follow the money” — analistas observam uma mudança no comportamento de grandes investidores e bancos centrais. Os títulos públicos americanos, os Treasuries, antes considerados o ativo mais seguro do mundo, começaram a perder atratividade.

O novo destino do capital global

Com a erosão da confiança nos títulos americanos, o fluxo de capital começou a se redirecionar para outros ativos tidos como mais seguros neste momento. Metais preciosos, especialmente o ouro, têm sido os principais beneficiados. O metal atingiu valores históricos, superando os US$ 4.000 por onça. Além disso, moedas fortes como o iene japonês, o franco suíço e o euro passaram a figurar entre os principais destinos para investidores em busca de estabilidade.

Conclusão

Embora os Estados Unidos ainda sustentem indicadores econômicos e estruturais sólidos, o questionamento sobre seu excepcionalismo ganha força diante das mudanças nos fluxos de capital e da crescente aversão ao risco por parte dos mercados globais. O movimento atual não aponta necessariamente para o fim do protagonismo americano, mas para uma redefinição da forma como esse papel é exercido em um mundo mais multipolar e economicamente volátil.

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