Para Haddad, ofensiva tarifária de Trump impulsiona tratativas entre Mercosul e União Europeia
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez uma leitura estratégica dos desdobramentos recentes da política comercial dos Estados Unidos. Segundo ele, o aumento agressivo de tarifas promovido pelo ex-presidente Donald Trump — o chamado “tarifaço” — pode funcionar, paradoxalmente, como um catalisador para o avanço das negociações entre o Mercosul e a União Europeia, blocos que há décadas tentam finalizar um acordo de livre comércio.
A avaliação de Haddad parte da ideia de que, diante do fechamento progressivo de certos mercados tradicionais, como o americano, outras regiões buscam alternativas comerciais mais estáveis e plurais. Com os EUA adotando medidas protecionistas, a União Europeia, por exemplo, pode sentir-se estimulada a fortalecer suas relações com parceiros do Sul Global, como os países do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), que oferecem um grande mercado consumidor, produção agroindustrial relevante e potencial estratégico.
O “tarifaço” mencionado diz respeito ao aumento generalizado de tarifas de importação por parte dos Estados Unidos, como instrumento de política comercial. Embora essas medidas visem proteger a indústria americana e gerar empregos internos, elas também desestimulam a integração econômica e criam tensões diplomáticas com parceiros internacionais. Para Haddad, esse cenário contribui para reconfigurar os alinhamentos comerciais no mundo, abrindo novas janelas de oportunidade para acordos antes travados.
A possível aceleração do acordo Mercosul-União Europeia, nesse contexto, aparece como uma resposta direta ao vácuo deixado pela retração americana no cenário multilateral. O acordo entre os dois blocos vem sendo negociado há mais de duas décadas e enfrenta resistências de ambos os lados, incluindo preocupações ambientais, disputas sobre subsídios agrícolas e exigências regulatórias. Mas a pressão geopolítica atual pode estar criando um ambiente mais propício para concessões e avanços.
A leitura de Haddad também dialoga com uma tendência mais ampla de reconfiguração das alianças econômicas globais. Em um mundo cada vez mais fragmentado entre blocos protecionistas e alianças emergentes, o fortalecimento de acordos intercontinentais como Mercosul-UE representa uma tentativa de manter o comércio internacional fluindo, ainda que por rotas alternativas àquelas dominadas tradicionalmente pelos EUA ou China.
Além disso, o ministro da Fazenda reconhece a relevância de posicionar o Brasil e os países vizinhos em uma cadeia de valor global que vá além das commodities, e que envolva maior cooperação tecnológica, investimentos em infraestrutura, inovação e sustentabilidade. O acordo com a UE, se finalmente concretizado, pode representar uma oportunidade nesse sentido, oferecendo vantagens para setores industriais, tecnológicos e ambientais.
A percepção de que o tarifaço de Trump pode acelerar essas negociações reforça a visão de que medidas unilaterais e protecionistas, embora prejudiciais em alguns aspectos, podem gerar reações construtivas em outras partes do mundo. Ao buscar rotas comerciais mais seguras, blocos como o Mercosul e a União Europeia podem avançar justamente como forma de se blindarem contra os efeitos colaterais da incerteza global.
Para o Brasil, que exerce papel central nas negociações do Mercosul, a aceleração desse acordo representaria uma vitória diplomática e econômica significativa, especialmente num momento em que o país busca diversificar seus parceiros comerciais e reposicionar-se no tabuleiro internacional como interlocutor confiável e moderado.
A fala de Haddad, portanto, carrega mais do que uma simples análise conjuntural. Ela sugere uma estratégia de resposta diplomática ao protecionismo global, buscando transformar obstáculos externos em alavancas para a aproximação entre blocos que historicamente mantêm relações fortes, mas marcadas por impasses estruturais.