Sociólogo: “É Errado Achar que a Periferia Era de Esquerda e Virou de Direita”
A visão de que a periferia brasileira, tradicionalmente vista como um reduto da esquerda, teria migrado em massa para a direita é uma análise simplista e equivocada, segundo o sociólogo e professor Renato Meirelles. Ele destaca que a realidade política das periferias é muito mais complexa e que essa mudança não ocorreu de forma tão abrupta ou linear como muitos acreditam.
A Complexidade das Periferias
De acordo com Meirelles, a periferia nunca foi completamente alinhada à esquerda, nem está inteiramente sob a bandeira da direita. “A periferia sempre foi um espaço de disputa política”, explica o sociólogo. Os habitantes dessas áreas estão em constante diálogo com diferentes forças políticas, influenciados não apenas por ideologias, mas por questões práticas do dia a dia, como segurança, emprego e acesso a serviços básicos.
A narrativa de que a periferia era exclusivamente de esquerda ignora a pluralidade e a diversidade de opiniões que sempre existiram nesses territórios. O voto nas periferias, historicamente, tem sido pragmático, priorizando candidatos que prometem mudanças reais e melhorias nas condições de vida.
O Papel do Pragmatismo Eleitoral
Essa postura pragmática ficou evidente nas últimas eleições, quando candidatos alinhados à direita, como Jair Bolsonaro, conseguiram conquistar parte do eleitorado periférico. Meirelles argumenta que isso não significa uma virada ideológica, mas sim uma busca por respostas imediatas a questões como a segurança pública e o combate à corrupção, que foram pilares da campanha bolsonarista.
Além disso, o desencantamento com as promessas não cumpridas por governos anteriores, incluindo os de esquerda, levou muitos eleitores da periferia a optar por novas alternativas. No entanto, o sociólogo ressalta que essa escolha não deve ser vista como uma adesão definitiva à direita, mas como um reflexo das necessidades do momento.
Influências Culturais e Religiosas
Outro fator que contribui para essa complexidade é a crescente influência das igrejas evangélicas nas periferias. Líderes religiosos têm desempenhado um papel significativo em moldar as preferências políticas dos moradores, muitas vezes promovendo valores conservadores que se alinham com pautas de direita. Isso também ajuda a explicar parte da adesão a políticos que defendem a “família tradicional” e se posicionam contra questões progressistas como a legalização das drogas e o aborto.
Contudo, Meirelles afirma que isso não representa uma hegemonia ideológica nas periferias. “Há ainda uma grande quantidade de eleitores que votam em candidatos de esquerda ou progressistas, dependendo de como eles se conectam com as demandas locais”, observa.
A Periferia e as Eleições Futuros
O sociólogo sugere que, para reconquistar o eleitorado das periferias, partidos de esquerda precisarão se reconectar com as questões que realmente afetam esses eleitores no cotidiano. Programas sociais, como o Bolsa Família, são uma parte importante desse diálogo, mas não são suficientes por si só. É necessário entender as preocupações emergentes, como a falta de segurança e as expectativas de desenvolvimento econômico.
Enquanto isso, a direita continuará a tentar capitalizar sobre as demandas não atendidas, oferecendo uma retórica focada em ordem e progresso, que muitas vezes ressoa nas comunidades mais vulneráveis à violência urbana.
Conclusão
Renato Meirelles nos lembra que a periferia não é um bloco monolítico, seja de esquerda ou de direita. Ao contrário, trata-se de um campo de batalha político dinâmico, onde ideologias são constantemente testadas contra as necessidades reais da população. O desafio, tanto para a esquerda quanto para a direita, será sempre se adaptar às mudanças e aos anseios de uma população em busca de melhorias concretas em suas vidas.