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Necessidade de Novo Congelamento nas Contas Governamentais: Impactos do Cenário Fiscal sobre o Valor do Dólar

Segundo projeção divulgada na segunda-feira (22), as contas do governo em 2024 estão previstas para apresentar um déficit de R$ 28,8 bilhões. Este valor coincide com o limite estabelecido pela meta das contas públicas, conforme definido no arcabouço fiscal aprovado em 2023.

Para assegurar o cumprimento dessa meta, a administração do presidente Lula (PT) tomou uma medida oficializada na semana passada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad: o congelamento de R$ 15 bilhões no Orçamento.

Embora tenha sido bem recebido pelo mercado, o aperto nas contas não conseguiu aplacar completamente as preocupações em relação à situação das finanças públicas. Especialistas argumentam que o montante congelado, embora significativo, não é adequado, o que deverá compelir o governo a implementar novos cortes até o final do ano.

Nos últimos tempos, o governo tem intensificado esforços para conter os gastos, em resposta a semanas tumultuadas para a equipe econômica de Lula. Durante o último mês, cada declaração do presidente sobre política fiscal tem provocado uma alta do dólar, o que gerou preocupações no mercado.

A percepção predominante era de que o governo não estava se comprometendo suficientemente com o controle das contas públicas. Essa dinâmica contribuiu para que o real fosse classificado entre as cinco moedas que mais se desvalorizaram em relação ao dólar em 2024.

Confira abaixo a linha do tempo da escalada do dólar:

Embora o aumento do dólar esteja ocorrendo globalmente, impulsionado por fatores como a elevação das taxas de juros nos Estados Unidos e o contexto da corrida eleitoral americana, no Brasil, a depreciação acentuada do real reflete principalmente a preocupação do mercado em relação ao compromisso fiscal do governo.

A lógica é simples: quando os gastos públicos saem do controle, os investidores começam a questionar a capacidade do país de honrar seus compromissos financeiros. Isso leva a uma redução nos investimentos e menos entrada de dinheiro no país.

Assim, diante de contas públicas desajustadas, os investidores preferem buscar aplicações mais seguras, como os títulos do governo dos Estados Unidos. Na prática, isso resulta na saída de dólares do Brasil para o exterior, o que escasseia a moeda aqui e a torna mais cara.

Essa dinâmica de mercado explica como a deterioração fiscal pode impactar diretamente na valorização do dólar frente ao real, evidenciando a importância crucial da estabilidade fiscal para a economia nacional.

As repercussões do congelamento no Orçamento foram favoráveis aos mercados na segunda-feira: o dólar registrou uma queda de 0,61%, sendo negociado a R$ 5,5695, com atenção voltada para a corrida eleitoral nos EUA e, especialmente, para os indicadores fiscais do governo brasileiro. O Ibovespa também apresentou alta.

Apesar disso, as expectativas do mercado indicam que o dólar não deve retornar tão cedo aos níveis próximos de R$ 5, valor que predominou ao longo da maior parte de 2023.

“O congelamento de gastos já tinha sido absorvido de forma positiva na semana passada. Mas não vai gerar impacto suficiente para o dólar voltar aos níveis do ano passado. A não ser que haja alteração no cenário internacional”, diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating

Segundo o economista, mesmo que os juros nos Estados Unidos venham a diminuir — o que poderia fortalecer o real em relação ao dólar —, é essencial que o governo brasileiro adote uma medida “mais robusta” em relação aos gastos públicos para que o real possa se valorizar de forma significativa.

No boletim Focus desta semana, elaborado pelo Banco Central e baseado na opinião de mais de 100 instituições financeiras, os economistas também revisaram para cima a projeção da cotação do dólar ao final de 2024, estimando agora em R$ 5,30. No início do ano, esperava-se uma taxa inferior a R$ 5.

Novos cortes à vista Agostini sugere que seria ideal um contingenciamento muito mais expressivo, da ordem de R$ 62 bilhões, para alcançar o déficit de R$ 28,8 bilhões projetado para 2024 — o limite estabelecido pela meta das contas públicas.

“Mas isso o governo não vai fazer. Historicamente, os governos congelam, em média, de R$ 25 a R$ 35 bilhões”, diz. “Então, o governo está apostando muito em receitas extraordinárias, como pente-fino em programas sociais. Isso pode dar um alento, mas não chega nem perto dos R$ 62 bilhões.”

“Passado esse período mais crítico de eleições municipais, acredito que o governo vá contingenciar, em meados de outubro, mas uns R$ 15 bilhões”, conclui.

O cenário atual evidencia que o governo enfrenta outro desafio crucial mesmo após o anúncio do congelamento de gastos: demonstrar um compromisso real com a redução das despesas, não se limitando apenas ao aumento da arrecadação.

Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, ressalta que o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP) do 3º bimestre, divulgado pelo governo na segunda-feira, revela uma “importante revisão” nas projeções de receitas e despesas em comparação ao bimestre anterior.

“As receitas líquidas estimadas para 2024 diminuíram em R$ 13,2 bilhões, passando a R$ 2.168,3 bilhões. Já as despesas primárias aumentaram em R$ 20,7 bilhões, totalizando R$ 2.229,6 bilhões”, aponta o economista.

Ele enfatiza que, no que diz respeito às receitas, houve revisões significativas, incluindo um aumento de R$ 12,5 bilhões na projeção do Imposto de Renda, além de uma elevação de R$ 3,9 bilhões na estimativa do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Em contrapartida, os gastos primários totais registraram um acréscimo de R$ 20,7 bilhões.

O relatório também indicou um aumento na estimativa de despesas com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a idosos em situação de vulnerabilidade, pessoas com deficiência e portadores de doenças graves incapacitantes, assim como nos benefícios da Previdência.

Em uma entrevista à GloboNews na última sexta-feira (19), Salto destacou que o bloqueio de R$ 15 bilhões no Orçamento deste ano provavelmente não será suficiente para proporcionar um alívio significativo no cenário fiscal do governo.

Segundo o especialista, a magnitude do próximo corte dependerá diretamente dos níveis de arrecadação observados até o final do ano.

Quanto ao centro ou ao limite da meta? Joelson Sampaio, professor de Economia da FGV, opina que o governo está seguindo na direção correta para cumprir as normas do arcabouço fiscal. No entanto, ele ressalta que “é sempre arriscado ficar no limite da meta” e que o cenário provavelmente exigirá novos cortes.

“O que o mercado tem refletido no dólar e nas outras variáveis de mercado são justamente essas incertezas em relação ao futuro: dado que está próximo do limite, pode ser que haja um limite maior e isso traga um aumento das incertezas no mercado”, explica.

Nesse contexto, Clayton Luiz Montes, secretário de Orçamento federal substituto, declarou que o governo manterá o objetivo de alcançar o centro da meta, que é um déficit zero — ou seja, despesas equivalentes às receitas.

Ele explicou que a interpretação da legislação foi de que o governo precisava, neste momento, contingenciar apenas o montante que ultrapassasse o limite estabelecido pela lei: os R$ 28,8 bilhões.

“A interpretação legal [e] jurídica foi que o contingenciamento deveria ser realizado apenas no valor que supera o limite mínimo da banda [intervalo permitido para o déficit], no valor de R$ 3,8 bilhões”, disse.

“Mas gostaria de ressaltar que outras medidas de receita estão sendo tomadas e o centro da meta está sendo buscado, continua sim sendo nossa bússola aqui”.

No relatório divulgado na segunda-feira, que é publicado a cada dois meses, o governo também revisou para cima as estimativas de gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e benefícios da Previdência.

Ambos os programas terão um acréscimo de R$ 11 bilhões em 2024 em comparação com as previsões anteriores do Orçamento, sendo R$ 6,4 bilhões destinados ao BPC e R$ 4,9 bilhões à Previdência.

Esses benefícios são indexados ao salário mínimo, que teve um aumento acima da inflação e agora está em R$ 1.412. Além disso, espera-se um aumento significativo no número de beneficiários ao longo do ano devido a novas concessões e diagnósticos de novas condições incapacitantes.






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